Ariadne Araújo é jornalista. Começou a carreira em rádio e televisão e foi repórter especial no O POVO. Vencedora de vários prêmios Esso, é autora do livro Bárbara de Alencar, da Fundação Demócrito Rocha, e coautora do Soldados da Borracha, os Heróis Esquecidos (Ed. Escrituras). Para além da forte conexão com o Ceará de nascença, ela traz na bagagem também a experiência de vida em dois países de adoção, a Bélgica, onde pós-graduou-se e morou 8 anos, e Portugal, onde atualmente estuda e reside.
Às vésperas do Carnaval que começa sempre antes do tempo, da primavera que em Portugal toma para si os dias do inverno, das redes sociais que já falam de Natal, penso no argentino Ernesto Sábato, um dos maiores romancista e ensaísta do nosso tempo
Foto: Aurelio Alves
"Por acaso algum de nós caminha devagar?" — perguntava-se, décadas atrás, o escritor e ensaísta argentino Ernesto Sábato, em um de seus textos
Tanger o tempo. Até as flores, ainda no inverno, antes do anúncio oficial da primavera, apressam-se, metem-se a colorir as ruas e as bordas de estradas. Impacientes, tal e qual os homens e as mulheres que, mal chegam na primavera começam já a falar do verão. E no verão, saltam direto para o inverno, com mancheias de guirlandas, antecipando o dezembro natalino. Um passo a frente, sempre. Nunca no agora, no hoje. Vontade do amanhã. Ou do depois-de-amanhã. Ano que vem. O futuro, corremos para ele — e ele foge.
“Por acaso algum de nós caminha devagar?” — perguntava-se, décadas atrás, o escritor e ensaísta argentino Ernesto Sábato, em um de seus textos. Vertigem: “o coração no compasso de urgência, para que tudo passe rapidamente e não permaneça”. Algo fica? Queremos lembrar, cultivar a memória, mas a vertigem não deixa. Vivemos em “cidades que latejam”. Nós, em taquicardia. Ernesto Sábato anteviu a semente de tudo o que temos e somos hoje. “O homem não pode manter-se humano a esta velocidade, se viver como um autômato será aniquilado”.
Na vertigem, tudo é temível: “dizemos mais números que palavras”. Mais informações que palavras. Os diálogos, as conversas, as trocas encurtam-se, explodem, atropelam-se, desaparecem. Ernesto, que não conheceu a atual potência do telefone celular, dizia: “perdemos o silêncio e também o grito”. Porque, para ele, suportamos mal o silêncio — tão mal, o nosso silêncio interior. Enfiamos nos ouvidos fones de ouvido, trazemos para dentro de nós o mundo de fora, numa indigestão estímulos, taquicardias, vertigens.
“Perdemos o silêncio”, nas nossas locomoções, idas e vindas cotidianas: nos transportes públicos, nas ruas, nas praças, nas nossas casas. Tampouco gritamos, nos revoltamos. “Não queremos a liberdade, temos medo dela”. No automático, assim vivemos, ou, melhor, sobrevivemos, assimilando tudo, perdendo tudo.
Não agimos, reagimos — “sem que um sim ou um não tenham precedido os atos”. À procura de mais qualquer coisa, que não está aqui e agora. Não está em lugar algum. Um novo estímulo, uma nova imagem, uma nova história na vida alheia. Outros longínquos, reais ou imaginários.
Para que tudo passe rapidamente e não permaneça. Mesmo se as estações necessitam de “uma certa lentidão” para que as plantas desfolhem e depois floresçam, deem frutos. E os humanos de uma certa “serenidade” para caminhar na vida a passo humano, sem a vertiginosa corrida dos autômatos.
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