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Prever os crimes futuros?
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Ariadne Araújo é jornalista. Começou a carreira em rádio e televisão e foi repórter especial no O POVO. Vencedora de vários prêmios Esso, é autora do livro Bárbara de Alencar, da Fundação Demócrito Rocha, e coautora do Soldados da Borracha, os Heróis Esquecidos (Ed. Escrituras). Para além da forte conexão com o Ceará de nascença, ela traz na bagagem também a experiência de vida em dois países de adoção, a Bélgica, onde pós-graduou-se e morou 8 anos, e Portugal, onde atualmente estuda e reside.

Prever os crimes futuros?

Já que ler os jornais cotidianos passou a ser um desafio — coisa de não envenenar ainda mais os meus medos —, por mais que eu diga que já chega, a capacidade humana sempre supera. Nestes tempos das assombrações, elas chegam de carrada
Inglaterra trabalha ferramenta que como objetivo apontar quais deles têm mais probabilidade de se tornarem assassinos (Foto: Divulgação/Pexels/cottonbro studio)
Foto: Divulgação/Pexels/cottonbro studio Inglaterra trabalha ferramenta que como objetivo apontar quais deles têm mais probabilidade de se tornarem assassinos

Jornais, gosto de ler com um café puro e sem açúcar, nas primeiras horas da manhã. Só não derramo a xícara, por costume de notícias ardidas. Hoje o café esfriou, esquecida dele após constatar que nem a ficção de Hollywood supera a realidade. Na Inglaterra, uma ferramenta que vasculha os dados dos cidadãos tem como objetivo apontar quais deles têm mais probabilidade de se tornarem assassinos.

Tirados das bases de dados da segurança e da hospitalar do país, a vasculha de informações pessoais não precisa da permissão da pessoa — a do governo já têm, uma vez que é o cliente deste trabalho. Os algoritmos cruzam nomes, idades, data e local de nascimento, gênero, etnia, condições de saúde (mental, adições, tentativas de suicídio) e as policiais (vítima de abuso, crime, ou agente de um deles).

Como no filme Minority Report, o governo britânico tem já sua vidente. Uma combinação de três grandes passos. Na primeira, coleta de dados e análise de crimes históricos (tipo, localização, tempo, circunstâncias), fatores do ambiente onde ocorreram (em ruas escuras ou iluminadas, com ou sem cameras de vigilância), indicadores socioeconômicos dos locais afetados (dados demográficos, pobreza, desemprego). Além de outras variáveis como atividades nas redes sociais e notícias online.

Na segunda fase entra o “machine learning”, um programa que aprende com triagens, erros, acertos e comparações. Momento em que serão preparados modelos, a partir dos pedidos desejáveis. Por último, os dados vão servir de alimento aos modelos, para que se chegue a conclusões e previsões. Complexo, não é? Precisei da ajuda técnica de um especialista para entender este mundo. Um frio cruzou a minha espinha dorsal.

Não deu certo em Minority Report e muita gente se adianta a dizer que tampouco vai funcionar na Inglaterra — ou em qualquer lugar do mundo. O problema é o viés, erro sistemático, que leva a resultados tendenciosos, discriminatórios, com prejuízo às minorias étnicas e de contextos desfavorecidos. Para além, é claro, da inaceitável utilização de informações pessoais — independente se a pessoa já cometeu um crime qualquer na vida ou não.

A Inglaterra não é pioneira nisso, de tentar identificar futuros assassinos. Uma empresa dos Emirados já faz isso em Dubai, Nova Iorque e Chicago. Começaram em 2016, antes do boom da inteligência artificial que, agora, facilita e agiliza muito mais este trabalho. Como coceira, um coça-se, outro coça-se, em cadeia. Um futuro próximo onde seremos, ao que parece, jogados em um mundo distópico.

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