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Cardeais eleitores e a lista quente dos "papabili"
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Ariadne Araújo é jornalista. Começou a carreira em rádio e televisão e foi repórter especial no O POVO. Vencedora de vários prêmios Esso, é autora do livro Bárbara de Alencar, da Fundação Demócrito Rocha, e coautora do Soldados da Borracha, os Heróis Esquecidos (Ed. Escrituras). Para além da forte conexão com o Ceará de nascença, ela traz na bagagem também a experiência de vida em dois países de adoção, a Bélgica, onde pós-graduou-se e morou 8 anos, e Portugal, onde atualmente estuda e reside.

Cardeais eleitores e a lista quente dos "papabili"

Um papa não pode deixar indicado candidato a sucessão, nem fazer previsões sobre quem assumirá o posto. Mas, o Papa Francisco trabalhou duro e rápido para colocar entre os cardeais que vão agora eleger seu sucessor, o maior número possível de gente em sintonia com a sua sensibilidade pastoral
Tipo Opinião
Papa Francisco morreu na última segunda-feira, 21 (Foto: AFP)
Foto: AFP Papa Francisco morreu na última segunda-feira, 21

O corpo do papa Francisco ainda está sendo velado, mas a corrida pela sucessão já começou, faz é tempo. As apostas são, por exemplo, de que, muito provavelmente, o próximo papa será um homem sereno, centrado, carismático e muito mais próximo da sensibilidade pastoral de Francisco. A explicação está no trabalho feito pelo papa argentino. Em doze anos de papado, ele modificou radicalmente o Colégio de Cardeais, elegendo o máximo possível novos cardeais, mais em sintonia com o seu modo de ver a Igreja.

Segundo o francês Jean-Marie Guénois, biógrafo de Francisco, e redator-chefe para assuntos de religião, do jornal Le Figaro, logo que o papa assumiu, dedicou quase todos os dias à chamada de novos cardeais — mais depressa e duas vezes mais em quantidade, se levamos em conta João Paulo II e Benedito VI. E, diferente dos dois antecessores, escolheu a dedo quem ele queria em Roma. De olho no que precisa a Igreja destes tempos.

Se olharmos o caso de João Paulo II, o papa polonês nomeou cardeais com linhas de pensamento contrárias à dele. Dizia que fazia isso por respeito às diferentes sensibilidades, dentro da Igreja. Benedito VI seguiu os mesmos passos e até incluiu na lista cardeais “inimigos”. Mas, Francisco sabia que deixaria um mundo em guerras, conflitos, crises, polarizado, onde a defesa dos mais fragilizados perdeu terreno — sua última mensagem, no domingo de Páscoa, bateu de novo em uma tecla sensível, mas que marcou o papado: compaixão para com os migrantes.

Diante deste quadro complicado, seria preciso deixar o máximo possível de cardeais eleitores dispostos a eleger um novo papa progressista, de visão aberta, empático para com os que sofrem nessa terra, e, claro, com vontade de reformas dentro da Igreja. Futuros eleitores que correspondessem à sensibilidade dele. E se não fosse por tantas outras coisas — o papa telefonava a cada noite para a pequena comunidade católica de Gaza, para dar força moral —, só por isso eu já seria fã incondicional de Francisco.

A situação inédita que se apresenta assim: mesmo tendo tentado (indiretamente) gerir ou influenciar a sua sucessão, não é certo que Francisco tenha conseguido. Semear não é certeza de colheita boa. De acordo com Guénois, mesmo os cardeais apoiadores do papa falecido concordam que é preciso acalmar o vento das reformas e unir o que foi desunido. Colar os cacos, para se ficar mais forte. Na espera de saiam da terra e vinguem as sementes espirituais que ele plantou discretamente — tornar a Igreja e seu rebanho mais compassivos.

Para se ter uma ideia do trabalho gigante do papa, dos 135 cardeais eleitores atuais, 108 foram proclamados por Francisco — o que dá um percentual de 80%. Estes proclamados querem agora alguém capaz de unir os que foram (ou são) contra as ideias de Francisco e os que foram (ou são) pró Francisco. Alguns nomes estão na corrida, mas já se sabe que, com este percentual mais progressista, não haverá maioria para eleger um conservador.

Portanto, agora mesmo, começamos a assistir o filme Conclave — quem não viu, corra para ver —, onde correntes e movimentos de cardeais se organizam em torno de algumas personalidades. Vamos chamar assim, em torno de um “papabile” (o plural é papabili), ou mais. Em choques de bastidores, mesmo se em saias de veludo e sapatos de pelica, têm de achar consenso entre progressistas, tradicionais e clássicos. A lista é elástica e mutável.

Dois “papábili” são italianos. Cardeal Pietro Parolin, número 2 no Vaticano, na função de Secretário de Estado, mas não caiu nas graças de Francisco, foi posto de lado durante o papado. O segundo é o Cardeal Matteo Zuppi, de Bolonha, um humanitário e defensor de questões sensíveis, como a crise migratória. Da Budapeste, Hungria, chega-nos o nome do Cardeal Erdó, homem mais conservador, dizem dele que tem a alma fria e não é nada carismático — mais na linha de João Paulo II.

Da África, o Cardeal Ambongo, com o peso dos bispos do seu continente, quase todos contrários a inclusão da questão dos homossexuais, nas reformas da Igreja. O cardeal filipino Luis Tagle encarna a Ásia, mas diz-se dele que é muito emotivo, emociona-se fácil com os sofrimentos do mundo, não tendo, por isso, a personalidade para ser papa — função sujeita a chuvas e trovoadas. Da Suécia, o Cardeal Arborelius, católico convertido do protestantismo. E, por último, um americano, o Cardeal Prévot que, como o Cardeal português José Tolentino de Mendonça, está mais alinhado a Francisco.

De todas as formas, venha de onde vier, na cabeça de listas de apostas ou correndo por fora, em efeito surpresa, o “papabile” tem de falar fluente o italiano, ou não passa no crivo dos eleitores. Nome a nome — a lista tem até agora pelo menos dez papabili —, cada um tem coisas a favor e impedimentos. Tagle, por exemplo, chamado por alguns de o “Francisco asiático”, tem ascendência chinesa e isso deixa a defesa de sua candidatura mais sensível.

Por isso, o Colégio de Cardeais tem uma missão espinhosa: encontrar um nome de consenso, que seja uma autoridade moral, que tenha experiência pastoral, diplomacia, carisma, estofo, que seja empático e não um burocrata, tampouco não esteja muito velho ou doente. E, principalmente, que saiba resolver os problemas de uma Igreja e um mundo em crise. Ah, esqueci, que não seja “comunista” — graças a Deus, esta condição imaginada por católicos radicais e tolos, que nem sabem do que falam, não entra nos quesitos.

Portanto, Francisco, vá em paz, que o céu é para todos. Ficamos aqui na Terra certos de que, com 80% dos cardeais eleitores proclamados por um homem que defendia diariamente, até o último suspiro de vida, os mais vulneráveis — mesmo os de ideias, hábitos e crenças diferentes das nossas —, o novo papa será também tido como um “comunista”. Esta é a única aposta que eu faço. Torço para que seja o caso. “A mensagem é estar presente”, dizia ele. Eu estou presente nas ideias dele. Adeus, Chico.

Foto do Ariadne Araújo

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