Um dia, um francês de nome Félix Nadar (1820-1910) subiu num balão, máquina fotográfica na mão, e fez os primeiros clichês de Paris, vista de cima. Os parisienses enlouqueceram, ao ver a cidade cotidiana coberta da lama de suas pegadas, abarcada, assim, pelo grande olho de uma lente.
Depois, mais tarde, vieram os aviões e os misseis. Após o fim da Segunda Guerra, cientistas americanos capturaram dos nazistas os balísticos V-2.
Equipado de uma câmara de 35 mm, um destes mísseis subiu nos céus, não para matar, mas para fazer a primeira fotografia em preto e branco da Terra.
A máquina ultrapassou a linha de kármán — internacionalmente tida como a fronteira do espaço — e vimos como é a bela a curvatura da Terra. Abriam-se os olhos para novas possibilidades de viagens espaciais. O ser humano queria ver de mais alto.
Em dezembro de 1968, foi um susto. Astronautas da missão Apolo 8 fizeram a primeira fotografia a cores da Terra, da perspectiva do espaço. O impacto cultural e ambiental foi enorme.
Ver assim, numa foto, o Planeta azul tão frágil e solitário, flutuando no espaço sideral, o cosmos denso como fundo — aquele pedaço de rocha, coberto de frouxos lenços de nuvens. Nascer da Terra, chama-se essa primeira fotografia colorida, a partir da lua.
Nascer também de uma tomada de consciência, de uma nova relação do ser humano com o seu Planeta. Poder-se-ia dizer, como se diz hoje, a ficha caiu — precisávamos proteger a Terra de nós mesmos.
“Viemos de tão longe para explorar a lua e a coisa mais importante é que nós descobrimos a Terra”, disse o astronauta William Anders, autor da foto. A fotografia ganhou a capa dos jornais e revistas do mundo, tornou-se uma imagem icônica.
No Brasil, em tempos de ditadura militar, Caetano Veloso viu a imagem na cela da cadeia. Provável, nas páginas duplas da revista Manchete. Escreveu uma das canções que mais adoro, Terra: “Por mais distantes, o errante navegante, quem jamais te esqueceria?”.
Em dezembro de 1972, o astronauta Harrison Schmitt, a bordo do Apolo 17, fez outra foto maravilhosa, a Blue Marble — a imagem inteira da Terra.
Agora são os satélites que nos enviam cotidianamente novas Blue Marble, mas, hélas, já tão diferentes das primeiras. As fotos atuais da Terra não mostram mais aquele azul do mar em dança com o verde das matas. Aquela poesia de Planeta. Agora, são gases, desmatamento, desertificação, expansão das cidades. E, quem sabe, buracos de bombas. Da primeira às mais recentes, podemos ver como a cobertura da Terra mudou.
Olhar a paisagem tão de cima, mesmo que seja da janela do avião, me faz lembrar desta aventura humana — o desejo de ver sempre o mais longe possível. Enquanto aqui, debaixo dos nossos pés e diante dos nossos olhos, na superfície do Planeta, as montanhas, antes tão bonitas, cobertas de neve, estão peladas, nuas na sua carne de pedras. E o verde dá lugar a um triste marrom.
Subi no avião atarantada com o calor de 38 graus, na Bélgica. Na descida, outros 38 graus me esperavam em Portugal, com possibilidades de subidas recordes da temperatura. O Planeta arde, na indiferença — a ficha caiu, só pela metade.
Que fotos teremos da Terra, em dez anos? Que foto da Terra verão nossos filhos e netos? Olhamos para cima, com nossas perguntas, mas a resposta estará sempre aqui em baixo. Só depende de nós.