Ariadne Araújo é jornalista. Começou a carreira em rádio e televisão e foi repórter especial no O POVO. Vencedora de vários prêmios Esso, é autora do livro Bárbara de Alencar, da Fundação Demócrito Rocha, e coautora do Soldados da Borracha, os Heróis Esquecidos (Ed. Escrituras). Para além da forte conexão com o Ceará de nascença, ela traz na bagagem também a experiência de vida em dois países de adoção, a Bélgica, onde pós-graduou-se e morou 8 anos, e Portugal, onde atualmente estuda e reside.
Viajar pelos interiores lusitanos é testemunhar esta destruição de florestas e de vidas, às vezes a fumaça ainda avisa que nem tudo terminou
Foto: Arquivo pessoal
Queimadas em Portugal
Viajar por Portugal também é também parar o carro no meio da estrada e achar que se está no planeta Marte, depois de uma erupção. E não, é aqui no país mesmo, no inferno de quem passou por um incêndio — todos os anos é a mesma coisa.
Viajar pelos interiores lusitanos é testemunhar esta destruição de florestas e de vidas, às vezes a fumaça ainda avisa que nem tudo terminou. Outras, a desolação, a tristeza, uma espécie de dor que vem dos intestinos da Terra.
Quem sobrevive a isto, fica para sempre com os olhos lacrimejantes de fumaça e um sentimento de abandono, que é o mesmo dos bosques e florestas. Eu paro na estrada, porque me assombro.
No centro de um país envelhecido e despovoado, são os estrangeiros (do Brasil, da Índia, do Nepal, de Bangladesch) que vêm em socorro. Novos moradores, novos bombeiros na hora de arriscar a vida e apagar os fogos.
Isto, diga-se, no mesmo Portugal, que trabalha sem descanso para expulsar milhares de estrangeiros. Volta para a tua terra, diz-se, pelas ruas de Lisboa. E no interior do país, sem eles, Portugal agoniza.
Paro nas estradas, olho estas contradições, não posso ficar indiferente. Ver com os meus olhos, não na televisão, as contradições de um país.
Povoados silenciosos, ruazinhas de pedra, não se vê ninguém — e a paisagem queimada em frente. Grande parte dos fogos, por mãos-postas, como se diz por aqui. Isqueiros, palitos de fósforos, fogueiras.
Este ano, muitos deles foram pegos, e são jovens, e são idosos, e são mulheres, e são homens. Quem pode entender as razões de um incendiário?
Não sei se o abandono, o isolamento, a pobreza de humanidade, um tanto de loucura — alguns argumentam, vinganças, outros pelo gosto de ver o pânico alheio. Eu paro para ver estas feridas sociais, humanas e ambientais. Elas me embrulham o estômago, mas falam mais sobre Portugal de hoje, que as belezas de Lisboa.
Estas feridas, estas cicatrizes, estes vestígios são a marca de um Ibéria em sofrimento. Espanha e Portugal sofrem todos os anos a mesma dor. No centro, nas lonjuras, nas serras, nos vales, há abandono e solidão. Isto também é Portugal. Bem hajam.
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