Logo O POVO+
O duelo de pernambucanos na sombra do Oscar
Foto de Arthur Gadelha
clique para exibir bio do colunista

Arthur Gadelha é crítico de cinema do O POVO, ex-presidente da Aceccine e membro da Abraccine. Acompanha as estreias nacionais e os passos do cinema cearense, cobrindo eventos internacionais como Cannes, Gramado, Globo de Ouro e Oscar. Nessa coluna, propõe uma escrita mais imersiva com análises e reflexões pessoais, trazendo também bastidores de filmes, festivais e premiações, além de refletir sobre o papel da crítica de arte no mundo

Arthur Gadelha arte e cultura

O duelo de pernambucanos na sombra do Oscar

Nos bastidores da corrida por uma indicação ao Oscar, dois diretores pernambucanos encaram a expectativa do Brasil repetir o sucesso internacional de "Ainda Estou Aqui". Na manga, duas cartas: Wagner Moura e Rodrigo Santoro
À direita, o diretor Gabriel Mascaro, e à esquerda, o diretor Kleber Mendonça Filho. Os pernambucos estão na disputa pela indicação ao Oscar (Foto: Divulgação/Guilhermo Garza/Victor Jucá)
Foto: Divulgação/Guilhermo Garza/Victor Jucá À direita, o diretor Gabriel Mascaro, e à esquerda, o diretor Kleber Mendonça Filho. Os pernambucos estão na disputa pela indicação ao Oscar

Em menos de um mês, no dia 15 de setembro, a Academia Brasileira de Cinema irá anunciar o filme escolhido para buscar uma cobiçada vaga no Oscar. Como a categoria de Melhor Filme Internacional não parte de Hollywood, mas de uma submissão oficial de cada país, esse processo formal já deu até muita dor de cabeça.

Em 2016, a crise no Brasil foi explícita: “Aquarius”, do pernambucano Kléber Mendonça Filho, era a escolha mais óbvia possível.

Protagonizado por Sonia Braga, estrela que já tinha forte presença nos EUA, o filme estreou na competição oficial do 69º Festival de Cannes. Embora não tenha vencido nenhum prêmio, a imprensa internacional já pintava até uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz.

No tapete vermelho do grande festival francês, a equipe do filme virou assunto mundial ao se posicionar contra o impeachment de Dilma Rousseff que estava em curso.

Meses depois, a comissão formada pelo Ministério da Cultura, então operado pelo governo interino de Michel Temer, escolheu um filme desconhecido: “Pequeno Segredo”, de David Schürmann. Não foi nem mesmo para a pré-lista.

Diante desse trauma, as coisas mudaram no Brasil: a comissão não é mais formada pelo Governo Federal, mas pela Academia Brasileira de Cinema.

Mesmo assim, chegamos a nos deparar com cenários não tão óbvios assim: em 2019, “Bacurau”, de Kléber e Juliano Dornelles, tinha vencido o Prêmio do Júri em Cannes, mas “A Vida Invisível”, do cearense Karim Aïnouz, tinha vencido o prêmio principal da mostra Un Certain Regard e tinha Fernanda Montenegro no elenco. A comissão escolheu o filme do Karim, que acabou não alcançando a indicação.

Apesar de ter 16 filmes concorrendo neste ano, incluindo o cearense “A Praia do Fim do Mundo”, o cenário desta vez é óbvio. Kléber Mendonça Filho volta aos holofotes da mesma corrida com “O Agente Secreto”.

Quando eu estava na cobertura do 78º Festival de Cannes, vi de perto as reações da crítica internacional que alçou o filme à forte concorrente da Palma de Ouro, prêmio máximo. Tenho para mim que se não fosse a força política de “É Apenas um Acidente”, filme do mestre iraniano Jafar Panahi, essa Palma era nossa.

abrir

De toda forma, o filme conseguiu algo raro para Cannes que é vencer dois prêmios: Melhor Direção, para Kléber, e Melhor Ator, para Wagner Moura. Teoricamente, essa combinação cruzada nem era permitida pelo regulamento do festival e o júri da Juliette Binoche teve que pedir autorização. Ou seja, amaram mesmo o filme.

A escolha é óbvia. Além do filme já ter sido comprado pela NEON, distribuidora do último vencedor do Oscar de Melhor Filme, o protagonismo de Wagner Moura é certeiro para o público americano.

No ano passado, ele estrelou “Guerra Civil”, filme da A24 que ficou algumas semanas na liderança de bilheteria. Foi indicado ao Globo de Ouro pelo papel de Pablo Escobar na série da Netflix.

De toda forma, acho fascinante pensar que há outro pernambucano nessa corrida quando pensamos em repercussão internacional.

Gabriel Mascaro apresentou “O Último Azul” no 75º Festival de Berlim e venceu o Grande Prêmio do Júri, uma espécie de segundo lugar. Berlim já consagrou grandes filmes brasileiros para o mercado internacional como “Central do Brasil”, “A Hora da Estrela” e até “Tropa de Elite”.

Estrelado por Denise Weinberg e Rodrigo Santoro, o filme toca num tema bastante universal que é o etarismo na percepção de uma sociedade capitalista.

Mascaro faz essa discussão virar uma distopia na fuga de uma mulher pelos rios amazônicos que busca encontrar seu novo destino. Tem uma melancolia tocante que também merece atingir esse mundo tão veloz e refém da juventude.

abrir

Mascaro tem um desejo muito próprio de nos contar sobre essa estranheza de um mundo que não estaciona, seja na irreverência do vaqueiro estilista de “Boi Neon” (2015) ou na calmaria da vila de pescadores em “Ventos de Agosto” (2014). É muito diferente da velocidade de “O Agente Secreto”, que faz o elétrico carnaval do Recife nos anos 1970 virar palco para um filme de ação.

Kléber e Wagner vão ter outros desafios quando chegarem lá no Oscar, muito mais difíceis que aquela bobagem de “Emilia Perez” que tanto nos aterrorizou, principalmente numa nação cada vez mais inflada por Donald Trump, mas essa conversa deixaremos para depois. Uma coisa já podemos adiantar: apertem os cintos, que essa temporada vai ser muito mais atribulada.

“O Último Azul” estreia nesta quinta-feira, 28 de agosto, e “O Agente Secreto” no dia 6 de novembro.

Foto do Arthur Gadelha

Quer saber mais sobre filmes e séries? Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?