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CNH: Professor finge que ensina. Aluno finge que aprende....
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Boris Feldman é mineiro, formado em Engenharia e Comunicação. Foi engenheiro da fábrica de peças para motores Metal Leve e editor de diversos cadernos de automóveis. Escreve a coluna sobre o setor automotivo no O POVO e em diversos outros jornais pelo país. Também possui quadro sobre veículos na rádio O POVO/CBN

CNH: Professor finge que ensina. Aluno finge que aprende....

"Democratização" da CNH: motoristas ainda piores que os atuais?
Governo quer acabar com a obrigatoriedade de aulas em autoescolas para tirar a CNH
 (Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil)
Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil Governo quer acabar com a obrigatoriedade de aulas em autoescolas para tirar a CNH

No passado, o presidente da associação das autoescolas de São Paulo jogou a toalha e declarou que, nelas, “o professor finge que ensina, o aluno finge que aprende”.

A rigor, o que ele queria dizer era que as tais escolas (chamadas hoje de Centro de Formação de Condutores – CFC) não preparavam seus alunos para aprender a dirigir, mas para se sair bem no exame do Detran.

O ministro dos Transportes e presidente do Contran, Renan Filho, informou esta semana que uma proposta para ser facultativo frequentar o CFC já está na mesa do presidente Lula.

Os candidatos à habilitação deveriam apenas se submeter aos exames teórico e prático do Detran. Mas podem aprender a dirigir sem as aulas nas autoescolas, o que encarece a obtenção da CNH no entorno de R5 mil, segundo o ministro.

A medida poderia reduzir este custo em até 80%, democratizando a operação. Mas é importante lembrar que o próprio governo sancionou recentemente a lei que institui o programa CNH Social, financiando a habilitação gratuita para pessoas vulneráveis.

A declaração de Renan Filho preocupou diversos setores da sociedade, pois os acidentes rodoviários são responsáveis por cerca de 40.000 mortes anualmente no Brasil. E a formação de condutores têm relevante papel na segurança viária. O tema educação no trânsito vem sendo debatido há muitos anos, pois há um consenso de ser falha e sem objetividade no Brasil.

De Ferrari no dia seguinte

Ninguém ignora que o sistema de ensino das autoescolas é deficiente e sujeito a fraudes. Mas a solução não é eliminá-las, porém aperfeiçoar o sistema através de um amplo debate com especialistas e entidades ligadas ao setor.

Já se tentou no passado modernizar o ensino da direção tornando obrigatório o uso do simulador nas aulas. Algumas escolas chegaram a investir no equipamento para serem informadas, semanas depois, de que sua obrigatoriedade tinha sido cancelada.

O simulador permite que o aluno enfrente situações complexas do trânsito e percepção de risco em ambiente seguro. Como dirigir sob chuva, à noite ou na estrada. Por isso, o simulador é considerado essencial na educação do candidato à habilitação.

Eliminar a exigência de frequentar a autoescola vai de encontro à política de uma formação responsável e estruturada para a formação do futuro motorista. Responsável, segundo estatísticas oficiais, por 90% das mortes e lesões graves nos acidentes em rodovias federais.

Estima-se cerca de 100 deles fatais diariamente, mas os apurados exclusivamente no local do acidente, desconsiderando-se os que ocorrem nos hospitais nos dias seguintes.

Uma das falhas na legislação atual é permitir um recém-habilitado assumir o volante de uma Ferrari ou outro superesportivo e conduzi-lo numa rodovia. Sem nenhuma experiência anterior numa estrada, nem ao volante de um esportivo e sequer num simulador.

“Não jogaremos a toalha”

Sobre esta proposta, consultamos o Observatório Nacional de Segurança Viária. Paulo Guimarães, seu CEO diz que, em relação à formação de condutores no Brasil.

“Não podemos jogar a toalha. Recebemos com atenção e preocupação as recentes declarações do ministro dos Transportes e presidente do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), Renan Filho, sobre a possível proposta de retirada da obrigatoriedade de aulas teóricas e práticas em centros de formação de condutores (CFCs) para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH).

Embora o detalhamento da medida ainda não tenha sido apresentado, a forma como foi colocada gera inquietações relevantes, sobretudo no que se refere ao alinhamento com o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (PNATRANS) e com os princípios que orientaram a construção da proposta de uma nova formação de condutores, conduzida pelo Observatório e amplamente discutida entre a sociedade e a comunidade técnica por mais de cinco anos (2013-2018), e que infelizmente não prosperou em função de lobbies mercadológicos e pressões políticas.

O PNATRANS, revisado e aprovado em 2021 sob coordenação da Secretaria Nacional de Trânsito e presidência do próprio Ministério dos Transportes, adota como um de seus pilares centrais a educação para o trânsito, com foco em mudança comportamental. Entre suas diretrizes está a requalificação da formação de condutores, valorizando competências socioemocionais, percepção de risco e a compreensão do trânsito como espaço de convivência social”.

Tem razão o CEO do Observatório: a formação de novos motoristas pelas autoescolas é deficiente e deve passar por aperfeiçoamentos e modernização. Mas a solução não é jamais eliminá-la, um inexplicável retrocesso em todas as conquistas feitas para reduzir a vergonhosa posição do Brasil no topo do ranking mundial de acidentes fatais no trânsito viário.

Mais Boris? autopapo.com.br

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