O jornalista Carlos Mazza já foi repórter de Política, repórter investigativo, coordenou o núcleo de jornalismo de dados do O POVO e atualmente é colunista de Política
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Ex-líder do Psol na Câmara Federal, o deputado Glauber Braga (RJ) esteve em Fortaleza neste fim de semana para participar da XIII Bienal do Livro e de agendas partidárias. Em entrevista ao O POVO, ele falou sobre diálogo em tempos de governo Jair Bolsonaro (PSL) e sobre os desafios da esquerda nas próximas eleições.
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A entrevista ocorreu no último sábado, no hotel Sonata,e foi facilitada pelo deputado estadual Renato Roseno (Psol). Confira a íntegra da conversa.
O POVO: Você veio para Fortaleza participar, além da Bienal do Livro, de um debate sobre as “soluções para a esquerda brasileira”. Quais seriam essas soluções, por onde passa esse debate?
Glauber Braga: Eu acho que, no momento em que a gente tá vivendo, há necessidade de amplitude para resistir, para reagir. E para isso posições sectárias não vão nos auxiliar nessa tarefa. Isso não pode ser feito perdendo a identidade. Respondendo objetivamente: a esquerda tem que manter as nossas bandeiras de pé e sair do discurso para a ampliação da prática política, que é o retorno aos territórios. Trabalho de base, trabalhar a capacidade de levar a nossa mensagem, mas ao mesmo tempo de ter uma escuta apurada para aquilo que a realidade do povo, aquilo que ele tá vivendo, para que você possa construir uma política pública participativa de fato. Acho que essa é a tarefa da esquerda, resistir a esse programa ultraliberal, conservador e a tentativa de fechamento de regime do Bolsonaro, mas propondo uma reação que seja construída coletivamente. Sem abaixar as nossas bandeiras, mas tendo uma capacidade concreta de formular nossas propostas a partir da vida real, e não de uma abstração. Porque as pessoas estão sentindo no calo, na pele, o que são essas medidas que estão sendo implantadas que tiram os seus direitos mais básicos.
O POVO: Você falou especificamente dessa questão de trabalho de base. Há espaço para isso hoje, quando há uma reação tão forte, principalmente de aliados do governo Bolsonaro, contra a militância de esquerda em escolas (veja o Escola Sem Partido) e entre empregados de empresas, por exemplo?
Glauber Braga: A gente tem que enfrentar isso e não tem que se intimidar com essa tentativa de colocação de medo. Então, além de estar presente e ir ao encontro das pessoas nos espaços de atuação, de vida, a gente tem uma vocação. A esquerda tem uma vocação para a praça pública. A direita, e principalmente a extrema-direita, não tem. Eles podem ocasionalmente ocupar a praça pública para o atendimento de interesses específicos, mas eles querem é a ordem, a restrição. Eles querem que o pensamento crítico não se estabeleça como fato. Então acho que é papel da esquerda estar nos espaços públicos, não só fazendo o discurso em defesa das nossas bandeiras, mas estabelecendo espaços de acolhimento e escuta. Meu mandato, por exemplo, no Rio de Janeiro, a gente faz as rodas de conversa em praça pública, em espaços que não são de militância necessariamente. As pessoas que estão ali desempregadas, que estão vivendo o drama de estar em situação de rua, morando nos espaços públicos do Rio. E ali a gente estabelece uma rotina de contato, de diálogo, e ao mesmo tempo de transmissão da mensagem. Tem que enfrentar a extrema direita nessa tentativa de impedir o nosso diálogo, e tem que procurar o espaço público para que ele seja um espaço de acolhimento e de educação crítica. Porque essa é uma tarefa da atividade política, que é uma tarefa pedagógica.
O POVO: Você falou especificamente na questão do diálogo. Como deve ser papel da esquerda nesse diálogo. Pode procurar a direita nessa conversa?
Glauber Braga: Primeiro, a gente tem que ter amplitude no diálogo com a esquerda, com os movimentos sociais, para a criação de uma frente de resistência contra o fechamento do regime e contra a adoção da pauta ultraliberal do governo Bolsonaro. Agora, tem uma parte da direita liberal que quer convencer a população brasileira de que todos os nossos problemas se resolvem a partir de um diálogo que tem que ser estabelecido entre esquerda e extrema-direita, e que a falta desse diálogo é a causadora das nossas mazelas. Eu não concordo com isso. Uma coisa é você disputar uma base bolsonarista, que votou inclusive em Jair Bolsonaro nas últimas eleições. Você não pode dizer que os mais de 50 milhões que votaram no Bolsonaro são todos fascistas, mas figuras como o próprio Bolsonaro, como Sergio Moro, como Silas Malafaia, elas têm que ser combatidas. Com essas figuras não vale a pena a gente perder a nossa energia de diálogo, porque a gente precisa nesse casos é gastar a nossa energia de combate, mostrando o que eles representam, para que aqueles que são seus seguidores possam passar a refletir sobre o papel deletério, negativo, que essas pessoas jogam para a sociedade brasileira, para a democracia, e no ferimento dos direitos fundamentais da maioria do povo. Com essa turma a gente tem que estabelecer é o confronto.
O POVO: E com segmentos da esquerda, como Ciro Gomes, podem ser procurados?
Glauber Braga: Considero que sim, a gente precisa estabelecer um campo amplo com os partidos de oposição, para que a gente possa resistir àqueles que estão nos atacando. O Bolsonaro defende publicamente a eliminação de militantes de esquerda. Quando ele fala que tem que mandar “essa turma da esquerda” para a Ponta da Praia (antiga base da Marinha que era usada para tortura durante a ditadura) é exatamente isso que ele tá defendendo, a eliminação física. Então, sim, acho que todos aqueles partidos que compõem o campo da oposição e lideranças que compõem esse campo precisam estar participando de um diálogo de enfrentamento, de resistência ao programa fascista. E isso a gente tem procurado fazer, o Psol tem procurado fazer no parlamento, mas tem procurado fazer também junto aos movimentos e suas lideranças nos mais diversos espaços. Essa frente contra o fechamento do regime e contra a adoção de medidas ultraliberais pode ser ampla e deve buscar o conjunto de partidos de oposição.
O POVO: Recentemente uma liderança do Psol do Rio, o deputado Marcelo Freixo, foi muito criticado por procurar a deputada Janaína Paschoal (PSL-SP), ter gravado um vídeo com ela. Como você vê isso?
Glauber Braga: O Freixo não procurou a Janaína, ele foi procurado para fazer uma entrevista em um programa, entrevista essa onde se falava de pontos positivos e negativos da personalidade da outra pessoa. O que eu acho, e respeito plenamente aquilo que o Marcelo quis passar como mensagem. O que acho que fica como reflexão é que esse tipo de formato de programas da direita liberal, que querem fazer a sociedade crer que o problema está em um “extremismo da esquerda” ou de direita, ele é falso e leva também a conclusões que não são verdadeiras. Esse tipo de formato faz com que a sociedade tenha uma análise muito simples daquilo que a gente tá enfrentando como realidade. Precisamos conquistar o campo político e ampliar o diálogo com aquelas pessoas que já fazem oposição ao governo Bolsonaro sim, mas eu considero que isso deve ser feito prioritariamente com aquelas pessoas que são a representação de uma base que está perdida. Com lideranças bolsonaristas, de extrema-direita, ou de colocação do programa ultraneoliberal, essas eu considero que a gente pode estar no mesmo espaço de entrevista, mas para combater com ênfase aquilo que elas representam. Acho que o Marcelo procurou fazer isso, mas em um formato de programa que passa a ser prejudicial, porque passa uma mensagem inadequada. Mas ele procurou fazer isso, mostrar as diferenças entre um programa de esquerda com a representação da extrema-direita. A crítica que fica para mim é quanto ao formato de programa.
O POVO: Recentemente o Bolsonaro compartilhou um tweet que afirmava que Deltan Dallagnol (procurador da Lava Jato) é “esquerdista tipo Psol”. O que acha disso?
Glauber Braga: É a miopia, né. A miopia de um governo de uma extrema-direita que considera tudo aquilo que não é de extrema-direita como esquerda. Eles acham que o PSDB é de esquerda, que o Deltan Dallagnol é de esquerda. Daqui a pouco estão dizendo que o Alexandre Frota (deputado, ex-PSL) é de esquerda também. Então isso, para mim, tem um pouco a ver com o sinal dos tempos que a gente está vivenciando, onde uma extrema-direita que pode sim ser considerada fascista, vê em qualquer coisa que seja diferente daquilo que eles pregam como algo que precisa ser combatido. E hoje o inimigo que eles elencaram para combater sistematicamente é a esquerda brasileira e, exatamente como eles nos escolheram como inimigos, a gente precisa reagir a isso. Não tem alternativa.
O POVO: Vocês falam nessas derrotas em direitos para o trabalhador, mas a esquerda ainda não conseguiu “capitalizar” isso, ganhar esse eleitor. Por quê? A ficha não caiu?
Glauber Braga: Na avaliação do nosso mandato, são três estruturas básicas que dão sustentação ao governo Bolsonaro. A ultraliberal econômica, da agenda Guedes, a de ampliação do estado penal punitivista, representada pelo Moro, e os fundamentalismos diversos que são representados pela Damares Alves (ministra dos Direitos Humanos), pelos filhos do presidente e pelo próprio ministro da Educação que flerta também com a agenda ultraliberal. Eu imaginava que, na aplicação da agenda ultraliberal com a reforma da Previdência, a gente conseguiria aglutinar forças para fazer com que a maioria do povo rejeitasse, como rejeitou no governo Temer, a aplicação da reforma, e isso seria uma primeira etapa de enfraquecimento da agenda bolsonarista ligada à economia. Infelizmente a gente não conseguiu fazer isso. Houve um empatar de jogo, o canhão de informação dizendo que a reforma era necessária e fazendo a defesa dessa aprovação foi muito grande, muito forte, e aí parlamentares do chamado Centrão, além dos de direita e extrema-direita, se sentiram confortáveis para votar a favor dessa matéria. Onde eu acho que a gente pode reaglutinar forças, furar a nossa bolha e se juntar com o povo, para mim, é na agenda em defesa da educação pública. Nas manifestações de maio a gente furou a nossa bolha. Teve muita gente que não necessariamente era de esquerda ou que não estava participando das nossas lutas anteriores que aderiram ao movimento. Acho que a nossa tarefa é formatar uma agenda, uma jornada de lutas, para todo o ano de 2019, e ter como centro da nossa atuação a aglutinação de esforços em defesa da educação. Acho que essa bandeira pode auxiliar em deter o conjunto das outras agendas que estão sendo aplicadas por Bolsonaro.
O POVO: O Psol historicamente recusava fazer alianças com partidos como PT, PCdoB, PDT, focando com PSTU e PCB, por exemplo. Para 2020, isso vai ser mantido, ou esses partidos podem ser procurados nos municípios?
Glauber Braga: Sem dúvida, a gente está fazendo um amplo esforço para lançar o maior número de candidaturas que o Psol já teve na sua história, disputando as prefeituras municipais. Sobre as alianças partidárias essa é uma resolução que ainda vai ser votada pelo partido, vai haver uma deliberação. As alianças têm que estar formatadas a partir de um programa, porque você também tem que se diferenciar para representar um projeto de mudança, diferente de uma bolsonarista ou do chamado Centrão. Então essa articulação programática com outras forças políticas ainda vai entrar em deliberação, mas o que posso adiantar é que hoje a gente vive uma realidade que é completamente diferente de eleições anteriores, de fechamento de regime. Existe então uma maior flexibilidade na composição de alianças, que sejam mais amplas para o enfrentamento desse cenário. Mas isso é uma matéria que o partido ainda vai se debruçar coletivamente. É claro que existe um veto aos partidos da direita, da extrema-direita, que componham a sustentação para as agendas do Bolsonaro.
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