Logo O POVO+
A operação mais letal da história do país
Comentar
Foto de Carolina Lindenberg Lemos
clique para exibir bio do colunista

Linguista e semioticista, professora da Universidade Federal do Ceará, com doutorado na Universidade de Liège (Bélgica) e pós-doutorado na Universidade de São Paulo

A operação mais letal da história do país

As operações policiais que foram realizadas neste ano na Faria Lima, centro econômico do país, mostram como o tráfico está entranhado na sociedade como um todo e não necessariamente localizado nas favelas
Comentar
Bombeiros e moradores carregam corpos na Praça São Lucas, na favela de Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, no Ro de Janeiro após a Operação Contenção (Foto: PABLO PORCIUNCULA / AFP)
Foto: PABLO PORCIUNCULA / AFP Bombeiros e moradores carregam corpos na Praça São Lucas, na favela de Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, no Ro de Janeiro após a Operação Contenção

O mês de outubro último se encerrou com a morte de 121 pessoas nos complexos da Penha e do Alemão no Rio de Janeiro. Considerada a operação policial mais letal da história da cidade, a dita Operação de Contenção contou com a atuação conjunta da polícia militar e civil e mobilizou 2.500 agentes, drones, helicópteros, veículos blindados e de demolição.

Descrita dessa forma, a cena parece de guerra, e de fato assim foram os relatos daqueles que viveram o dia. O título eufemista - Contenção - contrasta com os números e as imagens. Não houve nada de contido na entrada da força policial nos complexos e no confronto que se seguiu. As denúncias dos moradores trazem relatos de violência e abuso de poder das autoridades. O nome apaziguador só tranquiliza no papel. Seu contraste com a violência que envolveu a operação só exacerba sua inadequação.

E enfim, o que foi contido? Pelo que se lê nas notícias, os principais atores do Comando Vermelho não se encontram entre os mortos. Desses, 97 tinham envolvimento com o tráfico, mas nenhum deles estava na lista de denunciados da Operação. Alguns dos líderes regionais do CV foram apreendidos, mas não o chefe nacional.

Em meio a tudo isso, a população da região vive em alerta, com ainda mais restrições às suas vidas cotidianas. É preciso lembrar que, de 121, se 97 estavam envolvidos com o tráfico, o que é dos outros 24? Nem a sórdida lógica do "bandido bom é bandido morto" se sustenta. É preciso lembrar que, independentemente da vida que levavam, são 121 vidas tiradas; é uma violência e uma truculência que deixam marcas indeléveis em todos os envolvidos. Ao que parece, nada disso serviu para de fato impedir a atuação do tráfico, inclusive na opinião das autoridades, que consideram que a ação pontual é insuficiente e advogam por uma ocupação do local.

Na verdade, sabemos que o tráfico de drogas é questão mais complexa que incursões policiais, por maiores e mais articuladas que sejam. As operações realizadas neste ano na Faria Lima, centro econômico do país, mostram como o tráfico está entranhado na sociedade como um todo e não localizado nas favelas. Entre as repercussões da operação no Rio, as pesquisas de opinião apontam para um crescimento considerável nos índices de aprovação do governador Cláudio Castro (RJ), mas também cresceram em paralelo seus índices de rejeição.

O que isso nos mostra é, de um lado, o cunho político que tem uma operação dessa ordem. De outro, há também uma exacerbação da polarização das opiniões, o que só serve para nos cegar para a complexidade do problema, que deve, enfim, ser tratado com inteligência e cuidado, certamente não às custas da população que habita as margens de onde circula o tráfico.

 

 

Foto do Carolina Lindenberg Lemos

Análises. Opiniões. Fatos. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?