Editora-adjunta do O POVO+ especializada em ciência, meio ambiente e clima. Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é premiada a nível regional e nacional com reportagens sobre ciência e meio ambiente. Também já foi finalista do Prêmio Einstein +Admirados da Imprensa de Saúde, Ciência e Bem-Estar na região Nordeste
Morcegos são polinizadores, bioengenheiros e combatem pragas, mas ganham a mídia por carregarem cepas de coronavírus. Aqui vai um lembrete de que eles não são os vilões; a degradação ambiental humana, sim
Foto: Irineu Cunha, alguns direitos reservados (CC BY-NC)
Morcego-Bombachudo (Chrotopterus auritus) é uma das espécies que ocorre no Ceará
Pesquisadores do Ceará e de São Paulo, em parceria com a Universidade de Hong Kong (China), encontraram um novo coronavírus, parecido com a Mers, em um morcego brasileiro. A amostra com o vestígio foi coletada no Laboratório Central de Saúde Pública do Ceará (Lacen-CE), tornando-se o primeiro coronavírus identificado na América do Sul. Do meu lado, sinto medo pelos morcegos. Explico.
Antes de tudo, mantenhamos a calma. A Secretaria de Saúde do Ceará (Sesa) comunicou que não há evidências de que este coronavírus consiga pular para humanos.
A descoberta dele, na verdade, é a prova da importantíssima vigilância epidemiológica. É um processo contínuo de monitoramento, coleta e análise de amostras para identificar novos patógenos antes de qualquer emergência sanitária. Assim, podemos nos preparar para eventualidades.
A vigilância deveria ser constante, mas ela pode ser ameaçada pela falta de investimentos em pesquisa. E se há uma área pouco valorizada no Brasil é a Ciência, principamente a de base — aquela que não tem aplicação imediata, mas é imprescindível para construir o robusto conhecimento científico usado em inovações.
A pesquisa sobre morcegos é especialmente escanteada. Esses mamíferos com asas são esssenciais para o equilíbrio dos ecossistemas e das agriculturas: são polinizadores, bioengenheiros e combatem pragas. No entanto, investe-se pouco em estudos sobre a vida, os hábitos e os ambientes dos morcegos.
No Ceará, são ao menos sete, localizadas em Ubajara, Aiuaba, Mangabeira e Crato.
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Essa riqueza biológica é ameaçada pelo avanço de diversos empreendimentos, especialmente as mineradoras. Os impactos desses projetos são sentidos mesmo a quilômetros de distância. Para a fauna e a flora, vale lembrar que tudo é reverberado à décima potência.
A junção do baixo investimento em pesquisas científicas e da degradação e destruição de habitats é a responsável pelo surgimento de mais pandemias. Não os morcegos.
Morcegos e coronavírus evoluem em conjunto há milhões de anos, portanto é comum encontrar cepas variadas nos animais. O que é incomum é morcegos não terem onde viver. Cada vez menos cavernas saudáveis ou menos árvores. Cada vez mais urbanização próxima de habitats que deveriam permanecer preservados.
Foto: tadeo_mateos, alguns direitos reservados (CC BY-NC)
Morcego-Bombachudo (Chrotopterus auritus) é uma das espécies que ocorre no Ceará
Os morcegos não são nossos inimigos. São apenas seres vivos profundamente afetados pela destruição humana da Terra. Por serem considerados feios nos padrões humanos, acabam sofrendo ainda mais hostilização.
Para alguns humanos de mente pequena, a solução é matar tudo o que parece significar perigo. Morcegos com coronavírus? Extermínio. Macacos-prego transmitindo raiva? Extermínio.
O medo por novas pandemias é compreensível, mas é sempre importante lembrar que a vilã nunca é anatureza. Atacá-la só piora o cenário.
Você não precisa amar morcegos, nem achá-los lindos, nem se interessar por eles. Mas deve respeitá-los. Afinal, se eles pudessem, também escolheriam ficar bem longe de nós.
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