Nome popular: Morcego-das-costas-peladas
Nome científico: Pteronotus gymnonotus
Comprimento: Varia entre 5,5 a 6,9 centímetros
Peso: Varia entre 11 a 18 gramas
Descrição: A pelagem dorsal é marrom-escura avermelhada, com o ventre mais claro. A cauda ultrapassa o uropatágio e as asas são unidas ao corpo na linha dorsal, dando a impressão de não possuir pelos nas costas.
Distribuição: Sua distribuição compreende o nordeste da Colômbia, o noroeste da Venezuela, Guiana, Guiana Francesa, Brasil, Peru e oeste da Bolívia. Ocorre também no México e na América Central.
Fonte das informações: Verbete Pteronotus gymnonotus, no site do Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
Para todas as espécies, reprodução é coisa séria. Algumas apostam no charme e em danças complexas, outras só se encontram para o rala e rola e até mais. Este é mais ou menos o caso dos morcegos Pteronotus gymnonotus, mas com um adendo: ao que tudo indica, a espécie usa uma rede de cavernas nordestinas para os encontros amorosos.
Foi o que descobriu a bióloga Fernanda Ito em artigo publicado na revista científica Frontiers in Ecology and Evolution, fruto da tese de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), pela
O problema é que essas grutas, assim como outras do Brasil, estão ameaçadas pela expansão de empreendimentos, como mineradoras, nos arredores do habitat.
Mas que cavernas são essas? Por que elas são tão importantes e singulares? E por que nos importarmos com morcegos tão pequenos?
Antes de falar das tocas, vamos conhecer um pouco sobre os morcegos Pteronotus. Eles são pequenos, medindo cerca de seis centímetros, e vivem aos milhares confortavelmente nos tetos. Bom, nem sempre é tudo isso: as populações dos locais monitorados pelos pesquisadores flutuavam muito, indo de 200 mil a 200 indivíduos de um dia para o outro.
Essa diferença populacional foi a primeira a deixar Enrico encucado. Era 2012, quando o biólogo estava participando de um inventário de pequenos mamíferos na Caatinga pernambucana e o guia de turismo sugeriu visitar a caverna Meu Rei, em Tupanatinga (PE). “Eu nunca tinha visto tanto morcego!”, comenta o professor. Por começar a monitorá-la, ele percebeu esse vai e vem dos mamíferos alados.
Um ano depois, o mesmo guia o conduziu para outra caverna, a Furna dos Morcegos, em Ibimirim (PE). Lá, os pesquisadores anilharam alguns espécimes e passaram a identificar indivíduos transitando entre a Meu Rei e a Furna.
Ao mesmo tempo, eles abriram uma chamada geral perguntando por grutas populosas e receberam notificações de outras sete cavernas entre o Ceará, o Rio Grande do Norte e Sergipe. E então, a surpresa: “Os morcegos dessas nove cavernas formam uma só família reprodutiva.”
Você pode clicar nos ícones coloridos do mapa para ver o nome do local e, em parênteses, o município onde ele se encontra
A conclusão veio após um esforço de coletar amostras de tecidos dos bichos para analisar o DNA deles. Com isso, os pesquisadores identificaram a linhagem dos espécimes analisados e passaram a observar, com essa informação, o fluxo nômade de até 700 quilômetros (km). Isso em linha reta, já que os biólogos ainda não sabem se eles viajam ziguezagueando de toca em toca.
E nem pense que esse esforço para namorar é assunto descartável para os humanos. Por serem insetívoros, esses morcegos são incríveis controladores de pragas, entre eles mosquitos de um gênero que transmite doenças e também insetos que atacam as culturas de milho e cana.
Como cada Pteronotus come diariamente cerca de 20% do peso corporal, garantir a sobrevivência e preservação da espécie é essencial. Para comparar, imagine um ser humano de 60 kg comendo nessa proporção: seriam 12 kg diários. Em média, o humano come cerca de três kg/dia.
O problema? No Ceará, o Pteronotus gymnonotus morcego está em perigo de extinção, de acordo com a Lista Vermelha de Mamíferos Terrestres da Secretaria de Meio Ambiente do Ceará (Sema). Além dele, outras sete espécies de morcegos estão ameaçadas no Estado.
Eles também são bioengenheiros hábeis, influenciando diretamente na estrutura das cavernas em que vivem. Na Amazônia, Enrico conta que as grutas com morcegos geralmente são cinco a seis vezes maiores do que as sem. Isso porque o cocô dos morcegos é rico em amônia, nitrato e outros minerais que corroem a caverna e beneficiam a riqueza mineral dentro do local.
Por falar na influência dos morcegos nessas estruturas, existe o outro lado também. A rede de grutas onde machos e fêmeas paqueram (chamadas de cavernas satélite) e onde as fêmeas cuidam dos filhotes (chamadas de berçário) têm características muito singulares.
Os berçários são super quentes, alcançando os 40ºC. É onde as fêmeas vão para dar a luz aos filhotes, que ficam de três a quatro meses sem sair desse forno. Ambos os tipos de cavernas têm uma concentração letal de amônia para a maioria dos mamíferos, mas que não incomoda essas espécies. O porquê é uma das várias perguntas fisiológicas que Enrico e outros pesquisadores querem descobrir sobre eles.
Levando em consideração o papel das cavernas na reprodução dos animais, a riqueza de fauna e flora que existe nelas e o próprio serviço que os morcegos prestam ao ecossistema, o professor Enrico Bernard afirma que essa rede de cavernas (e outras que tenham características igualmente singulares) deveria ser classificada como de relevância máxima.
Isso porque o Decreto nº 99.556, de 1º de outubro de 1990, define que “as cavernas com grau de relevância máximo e suas respectivas áreas de influência não podem ser objeto de impactos negativos irreversíveis”. Isso significa sem desmatamento e sem empreendimentos que podem prejudicar o ambiente, por exemplo, mineradoras.
“Morcegos são super importantes na licenciação ambiental da mineração do Brasil”, explica o biólogo. “Mas o que a indústria da mineração faz? Ela diz: ‘Tudo bem. A gente vai preservar 250 metros ao redor da caverna.’ Esse trabalho da Fernanda e o nosso que mostrava deslocamento de 15 km entre uma caverna e outra já colocava esse amortecimento em questionamento.”
Ele continua: “Se os bichos voam de 15 km a 700 km, 250 metros é absolutamente insuficiente para eles. Como é que ele vai conseguir comer 20% do peso corporal só 250 metros fora da caverna? Impossível. Esses 250 metros não têm embasamento científico.”
Acesse a cartilha Protegendo as Cavernas do Brasil, do ICMBio. Foto: Roberto L. M. Novaes
Tem mais. As cavernas também parecem ter uma divisão de gênero. Nas berçário, prevalecem fêmeas e filhotes, enquanto nas satélite ficam mais machos. Por isso, não basta proteger apenas uma furna e destruir outra, porque o impacto na espécie vai ser igualmente perigoso.
Ainda há muito para se aprender sobre o estilo de vida, a fisiologia e a relação desses morcegos com os ambientes em que vivem. Para isso, eles e seus habitats precisam estar bem protegidos, ao mesmo tempo que o País carece de programas nacionais de marcação de morcegos.
Mais: os pesquisadores brasileiros precisam ter financiamento e segurança. Afinal, a descoberta desses morcegos namoradores veio de uma bolsista da Capes que, agora, está como bolsista de pós-doutorado na Finlândia. O típico caso de fuga de cérebros.
“A gente qualifica, treina, capacita e perde a profissional pro mercado estrangeiro”, lamenta o professor Enrico. Apesar de feliz e orgulhoso da trajetória de Fernanda, ele explica que o Brasil perde potência e inovação com a saída dessas mentes do País. Bom, mas isso é assunto para uma outra (grande) discussão.
"E aí, você viajaria tantos quilômetros por amor? Brincadeiras à parte, o que achou dessa pesquisa? Vamos conversar nos comentários!"