44ª Mostra SP: "Nova Ordem" e a construção de imaginários e representações
João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.
44ª Mostra SP: "Nova Ordem" e a construção de imaginários e representações
Um dos destaques da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, mexicano "Nova Ordem" apresenta convulsão sociopolítica de forma questionável e sem sutilezas
A coluna começa a acompanhar a 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que acontece de forma on-line em 2020. A maioria dos filmes poderá ser adquirida a partir desta quinta, 22, por R$ 6. Para seguir nossa cobertura, confira as postagens por aqui e também as edições imprensas e o Instagram do Vida&Arte!
Foram muitos os filmes que retrataram embates de classes no ano passado, em ligação direta às insatisfações populares materializadas em manifestações e protestos ao redor do mundo contra a concentração de riquezas e o sistema capitalista: do brasileiro "Bacurau" ao sul-coreano "Parasita", passando pelo estadunidense "As Golpistas" e o franco-senegalês "Atlantiques". Provocando discussões diversas, as obras tiveram ao menos um ponto em comum: a escolha de desenrolar suas histórias pelo ponto de vista de quem era subjugado.
Premiado no Festival de Veneza no mês passado e compondo a programação da 44ª Mostra de São Paulo, o longa mexicano "Nova Ordem", de Michel Franco, se aproxima destes exemplos ao também partir dos inconformismos populares, mas difere-se ao optar por apresentar a trama pelo lado de quem detém o poder. Essa escolha inicial abre espaço para questionamentos das representaçõeseimagináriosconstruídos pela produção.
Michel Franco, conhecido por filmes controversos e representaçõesincômodas de misérias humanas e violência, opta por abrir o longa abre com uma sequência que informa pelas imagens e sem tantos detalhes que manifestações de classes populares estão ocorrendo de forma intensa pelo México. O desenrolar inicial do longa, porém, se dá de fato em uma festa de noivado de um jovem e rico casal. O evento funciona como um microcosmo de tensões sociais: a casa é grande, as roupas são formais, os anfitriões e convidados são brancos, os muitos empregados têm feições indígenas.
Não é nada surpreendente, então, quando a bolha do noivado é furada pelas urgências das ruas. O modo como o cineasta estabelece esse encontro e suas consequências, porém, resvala em um lugarperigosoderepresentação. Na construção de “Nova Ordem”, as manifestações e os populares são apresentados de modo selvagem e violento. Logo, por consequência, o lugar das vítimas fica destinado às pessoas da festa.
O ponto de vista principal que revela as consequências dos protestos é o da noiva, Marian, e é especialmente nos momentos acompanhados por ela que a obra mais se empenha em construir cenas violentas e incômodas. Quanto mais Franco investe aí, mais ele reforça os papeis previamente colocados.
Discussões sobre quem seria vítima ou algoz nos filmes citados no início do texto também ocupam as conversas sobre eles, por exemplo, mas falta à “Nova Ordem” a habilidade de aprofundarelementos e criarsutilezas.
“Bacurau”, por exemplo, opta também por situar o embate de classes em alegorias bastante evidentes, mas aposta em relevos ao apresentar toda uma dinâmica social antes de estabelecer o embate. O filme mexicano, por sua vez, já de partida fecha-se para complexidades.
As fontes das movimentações e incômodos de quem se manifesta, vendo o mundo aqui fora, são evidentes - a estrutura capitalista, afinal, é erguida a partir de desigualdades de acesso e oportunidade, para nomear algumas. No mundo construído no filme, no entanto, o que é apresentado pode ser facilmente compreendido como uma série comentários críticos e rasos a movimentos que pautam equidade.
É verdade que certas imagensrespondem diretamente a fortes demandas contemporâneas, mas esses momentos mais catárticos surgem cedo, sem contexto e de forma plana. Cabe destacar, aqui um breve momento que mostra uma área comercial notadamente de luxo, com lojas como da grife Louis Vuitton, totalmente destruída. Aquele local, uma placa revela, é a avenida Presidente Masaryk, um dos endereços mais caros não somente da Cidade do México, mas do mundo.
A possibilidade de qualquer momento como este no filme significar algo em consonância com os inconformismos que se somam pelo mundo se anula a partir de toda a construçãodiscursiva eimagética de “Nova Ordem”.
Numa tentativa de complexidade, o longa ainda constrói uma subtrama que apresenta membros da classe trabalhadora apartados dos tais movimentos sociais, como Marta e o filho Cristian, empregados da família de Marian.
No lugar da violência, eles são apresentados de forma servil e com pouca agência.Observar a quem o filme nomeia e oferece alguma redenção e a quem ele uniformiza e condena revela bastante ao que ele se propõe.
Mostra SP
Quando: de 22 de outubro a 4 de novembro. "Nova Ordem" será disponibilizado somente na sexta, 23
Quanto: cada filme custa R$ 6. É possível adquirir somente por cartão de crédito com bandeiras Visa ou Mastercard. Cada longa comprado fica disponível na biblioteca do usuário por até três dias e, a partir do momento que se comece a assisti-lo, são 24 horas para terminá-lo.
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