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44ª Mostra: "Uma Máquina Para Habitar" não identificada
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João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.

João Gabriel Tréz arte e cultura

44ª Mostra: "Uma Máquina Para Habitar" não identificada

Documentário ensaístico estranha o olhar acostumado aos símbolos de Brasília para desvelar faces menos conhecidos da capital federal
Tipo Opinião
No filme, os planos se constróem de forma que aproximem as formas da cidade de elementos do espaço sideral (Foto: divulgação)
Foto: divulgação No filme, os planos se constróem de forma que aproximem as formas da cidade de elementos do espaço sideral

Antes de ser concretizada, Brasília já habitava sonhos. Dom Bosco (1815-1888), padre italiano, previu enquanto dormia que, “entre os graus 15 e 20” do Hemisfério Sul, existiria uma terra de “riqueza inconcebível”. Não por acaso, o santo virou padroeiro da cidade quando ela, de fato existiu. Da premonição de prosperidade à intenção de ordenação, a capital federal é marcada por uma motivação quase utópica de futuro. É a partir dessa atmosfera que o documentário “Uma Máquina Para Habitar” se constrói. O filme está disponível na programação da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Essa construção é, principalmente, baseada na estranheza. Muito porque a intenção do documentário é registrar Brasília de maneira menos óbvia, evitando pontos de vista naturalizados. Os registros do filme são fruto de olhares desacostumados justamente pela obra ser resultado de um projeto coletivo gestado por quatro profissionais estrangeiros - o diretor e roteirista Yoni Goldstein, a codiretora Meredith Zielke, o roteirista e produtor Sebastian Alvarez e o diretor de fotografia e produtor executivo Andrew Benz.

Aliando um olhar atento às camadas outras da cidade à utopia futurista da construção de Brasília, “Uma Máquina Para Habitar” se interessa por estilizações e performatividades. Dividido em dois momentos narrativos mais demarcados, o documentário opta por desnaturalizar o que se pretende sobre Brasília a partir de elementos históricos e estruturais da cidade. O ponto de vista lançado é suspenso. Na primeira das duas partes, a atenção vai especialmente para as formas da cidade, não num gesto celebratório da arquitetura modernista ou coisa que o valha, mas sim na intenção de reconhecer nelas aspectos de outros mundos.

O filme é um projeto coletivo concretizado a partir de quatro profissionais de cinema estrangeiros que lançam olhares desacostumados para Brasília
Foto: divulgação
O filme é um projeto coletivo concretizado a partir de quatro profissionais de cinema estrangeiros que lançam olhares desacostumados para Brasília

Seja a amplitude do horizonte ou as geometrias da cidade, elementos já tão conhecidos e reconhecidos, cada paragem de Brasília é estranhada pela câmera, que procura em cada contorno possível alguns indicativos do espaço sideral. A partir da construção dos planos e do trabalho de montagem e som, “Uma Máquina Para Habitar” faz a rampa do Museu Nacional virar um anel espacial e as vestimentas de trabalhadores que aparam a grama no Plano Piloto terem aparência de trajes de astronautas.

A estrutura, até este momento, é mais pautada em registros observacionais mais distantes, que são cobertos por narrações em off que não informam fatos óbvios ou mesmo concretos sobre Brasília, mas sim intentam trazer algum nível de reflexão para além destes. São essas vozes que metaforizam a cidade como a tal “máquina” habitável, além de discutirem a existência dos "ultraterrestres" e explicarem sobre a história do esperanto no Brasil.

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Junto a estas vozes sem corpo, o filme também apresenta alguns personagens que têm maior ou menor participação presencial na frente das câmeras. Mesmo aqueles que participam de entrevistas pretensamente mais “clássicas” são registrados sob um ponto de vista do “peculiar”. É daí que se encaminha a segunda parte mais definida do longa, uma trajetória que soa natural dentro da lógica proposta pela produção.

Se os comentários até então sobre utopia, espaço e extraterrestres eram mais simbólicos, “Uma Máquina Para Habitar” mergulha em experiências de paranormalidade e espiritualismo vividas na capital federal e arredores. Aí, entram vivências que seguem lógicas outras de vida em comunidade, crença e até linguagem.

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É neste segmento que os elementos visuais do documentário encontram maior vazão para construção de viagens cênicas ainda mais sensoriais. Ainda que haja algum interesse em tudo que “Uma Máquina Para Habitar” oferta por conta do caráter peculiar do retrato feito, a distância estabelecida pelo filme desde o princípio entre ele mesmo e o espectador não deixa a experiência ir, justamente, muito além da curiosidade.

Mostra SP

Quando: até 4 de novembro
Onde: filmes disponíveis na Mostra Play
Quanto: cada filme custa R$ 6. É possível adquirir somente por cartão de crédito com bandeiras Visa ou Mastercard. Cada longa comprado fica disponível na biblioteca do usuário por até três dias e, a partir do momento que se comece a assisti-lo, são 24 horas para terminá-lo
Mais informações: www.44.mostra.org

Foto do João Gabriel Tréz

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