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44ª Mostra: o que se esconde e o que se deixa ver em "Mulher Oceano"
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João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.

João Gabriel Tréz arte e cultura

44ª Mostra: o que se esconde e o que se deixa ver em "Mulher Oceano"

Evocando inúmeros símbolos e alegorias mais ou menos explícitos relacionados ao mar, "Mulher Oceano", de Djin Sganzerla propõe travessia por intimidades
Tipo Opinião
A diretora Djin Sganzerla interpreta Hannah e Ana (na foto) em 'Mulher Oceano' (Foto: fotos André Guerreiro Lopes / divulgação)
Foto: fotos André Guerreiro Lopes / divulgação A diretora Djin Sganzerla interpreta Hannah e Ana (na foto) em 'Mulher Oceano'

"Publicar é como morrer. E escrever é mais como viver, constantemente se movendo, mudando…”. A frase é proferida por Yukihiko, personagem coadjuvante do filme “Mulher Oceano", de Djin Sganzerla. Quem ouve as comparações dele é Hannah Visser, protagonista do filme interpretada pela própria cineasta. Atriz com aparições no cinema há cerca de 15 anos, a artista estreia na direção cinematográfica no longa e faz da obra um comentário pessoal e reflexivo sobre produção artística, inspiração e intimidade. O filme compõe a programação da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Hannah é, em “Mulher Oceano”, uma escritora dividida entre frustrações profissionais e afetivas. Ela se muda para o Japão com o marido, mas o casal enfrenta uma crise conjugal que faz, inclusive, que ela prefira estar sozinha no país estrangeiro. A viagem funciona como gatilho de um processo de autoavaliação e busca pela essência de si mesma para a autora.

Marcada por uma imagem que viu ainda no Rio de Janeiro - uma mulher desconhecida, ao longe, cortando em nado o mar aberto -, ela busca inspiração na cena para criar um novo livro. Este processo criativo é marcado também por elementos da cultura japonesa ligados à maritimidade que Hannah se aproxima, como a tradição secular das Amas, mergulhadoras muitas vezes já idosas que se dedicam a buscar pérolas, algas e mariscos no mar.

A diretora Djin Sganzerla interpreta Hannah e Ana (na foto) em 'Mulher Oceano'
Foto: André Guerreiro Lopes / divulgação
A diretora Djin Sganzerla interpreta Hannah e Ana (na foto) em 'Mulher Oceano'

A determinada altura do filme, soma-se à narrativa Ana, também interpretada pela cineasta. Ela é moradora do Rio de Janeiro, funcionária de um banco e tem como principal atividade o nado em mar aberto. Pela construção proposta, é Ana a nadadora que inspira Hannah a criar novamente.

As contextualizações da narrativa do longa são algo soltas e as questões de cada personagem não são plenamente formatadas, mas é possível relacionar a forma do filme às características do próprio mar, elemento central para a obra. Do título que afirma uma fusão às alegorias visuais e narrativas construídas, “Mulher Oceano” é bastante direto e frontal nos símbolos que evoca. Tanto tudo envolve o mar quanto o mar envolve tudo.

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Há elementos mais óbvios, como a inspiração do novo livro de Hannah ou a devoção de Ana por Iemanjá, bem como a presença na trilha sonora de “É Doce Morrer No Mar”, de Dorival Caymmi e Jorge Amado, e “Peixe”, faixa do disco mais recente de Jards Macalé (“Besta Fera”) interpretada por ele e Juçara Marçal.

Ao mesmo tempo, há também escolhas e relações mais simbólicas ou sugeridas, como ter o Japão como localidade central do longa - país marcado pelo tsunami e, em si, uma ilha -  e o fato do sobrenome de Hannah, Visser, significar “pescador” em holandês - lembre-se, ainda, que parte considerável da área dos Países Baixos está abaixo do nível do mar.

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Se as referências marítimas se acumulam a ponto de poderem soar exageradas, o filme consegue se sustentar a partir da atmosfera criada. Há tanto uma explicitude dos símbolos quanto um um trabalho profundo de subjetividades, num gesto que se confunde com a natureza transparente, ampla e misteriosa do mar.

Tal gesto busca dar conta das travessias íntimas de Hannah e Ana, cujas trajetórias pessoais se aproximam da ideia metafórica de corpos em mar aberto. Elas não coexistem nunca em cena, mas têm conexões bastante cristalinas estabelecidas pelo filme e que emergem pela relação oposta-complementar das personagens - ainda que este não seja um recurso inédito, ele funciona por reforçar a subjetividade da obra.

Filme que ao mesmo tempo esconde e deixa ver, se encaminha em fluxo próprio num vai-e-vem constante, mas sem muita exatidão, "Mulher Oceano" toma para si a própria mimetização que elabora e desponta, ele mesmo, como um “filme-oceano”.

Mostra SP

Quando: até 4 de novembro
Onde: filmes disponíveis na Mostra Play
Quanto: cada filme custa R$ 6. É possível adquirir somente por cartão de crédito com bandeiras Visa ou Mastercard. Cada longa comprado fica disponível na biblioteca do usuário por até três dias e, a partir do momento que se comece a assisti-lo, são 24 horas para terminá-lo
Mais informações: www.44.mostra.org

Foto do João Gabriel Tréz

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