44ª Mostra: o que se esconde e o que se deixa ver em "Mulher Oceano"
João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.
44ª Mostra: o que se esconde e o que se deixa ver em "Mulher Oceano"
Evocando inúmeros símbolos e alegorias mais ou menos explícitos relacionados ao mar, "Mulher Oceano", de Djin Sganzerla propõe travessia por intimidades
"Publicar é como morrer. E escrever é mais como viver, constantemente se movendo, mudando…”. A frase é proferida por Yukihiko, personagem coadjuvante do filme “Mulher Oceano", de Djin Sganzerla. Quem ouve as comparações dele é Hannah Visser, protagonista do filme interpretada pela própria cineasta. Atriz com aparições no cinema há cerca de 15 anos, a artista estreia na direção cinematográfica no longa e faz da obra um comentáriopessoal e reflexivo sobre produção artística, inspiração e intimidade. O filme compõe a programação da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Hannah é, em “Mulher Oceano”, uma escritora dividida entre frustrações profissionais e afetivas. Ela se muda para o Japão com o marido, mas o casal enfrenta uma crise conjugal que faz, inclusive, que ela prefira estar sozinha no país estrangeiro. A viagem funciona como gatilho de um processo de autoavaliação e busca pela essência de si mesma para a autora.
Marcada por uma imagem que viu ainda no Rio de Janeiro - uma mulher desconhecida, ao longe, cortando em nado o maraberto -, ela busca inspiração na cena para criar um novo livro. Este processo criativo é marcado também por elementos da cultura japonesa ligados à maritimidade que Hannah se aproxima, como a tradição secular das Amas, mergulhadoras muitas vezes já idosas que se dedicam a buscar pérolas, algas e mariscos no mar.
A determinada altura do filme, soma-se à narrativa Ana, também interpretada pela cineasta. Ela é moradora do Rio de Janeiro, funcionária de um banco e tem como principal atividade o nado em mar aberto. Pela construção proposta, é Ana a nadadoraqueinspira Hannah a criar novamente.
As contextualizações da narrativa do longa são algo soltas e as questões de cada personagem não são plenamente formatadas, mas é possível relacionar a forma do filme às características do própriomar, elemento central para a obra. Do título que afirma uma fusão às alegoriasvisuais e narrativas construídas, “Mulher Oceano” é bastante direto e frontal nos símbolos que evoca. Tanto tudoenvolveomar quanto o marenvolvetudo.
Há elementos mais óbvios, como a inspiração do novo livro de Hannah ou a devoção de Ana por Iemanjá, bem como a presença na trilha sonora de “É Doce Morrer No Mar”, de Dorival Caymmi e Jorge Amado, e “Peixe”, faixa do disco mais recente de Jards Macalé (“Besta Fera”) interpretada por ele e Juçara Marçal.
Ao mesmo tempo, há também escolhas e relações mais simbólicas ou sugeridas, como ter o Japão como localidade central do longa - país marcado pelo tsunami e, em si, uma ilha - e o fato do sobrenome de Hannah, Visser, significar “pescador” em holandês - lembre-se, ainda, que parte considerável da área dos Países Baixos está abaixo do nível do mar.
Se as referênciasmarítimas se acumulam a ponto de poderem soar exageradas, o filme consegue se sustentar a partir da atmosfera criada. Há tanto uma explicitude dos símbolos quanto um um trabalho profundo de subjetividades, num gesto que se confunde com a naturezatransparente, ampla e misteriosa do mar.
Tal gesto busca dar conta das travessiasíntimas de Hannah e Ana, cujas trajetórias pessoais se aproximam da ideia metafórica de corpos em mar aberto. Elas não coexistem nunca em cena, mas têm conexões bastante cristalinas estabelecidas pelo filme e que emergem pela relação oposta-complementar das personagens - ainda que este não seja um recurso inédito, ele funciona por reforçar a subjetividade da obra.
Filme que ao mesmo tempo esconde e deixa ver, se encaminha em fluxopróprio num vai-e-vem constante, mas sem muita exatidão, "Mulher Oceano" toma para si a própria mimetização que elabora e desponta, ele mesmo, como um “filme-oceano”.
Mostra SP
Quando: até 4 de novembro Onde: filmes disponíveis na Mostra Play Quanto: cada filme custa R$ 6. É possível adquirir somente por cartão de crédito com bandeiras Visa ou Mastercard. Cada longa comprado fica disponível na biblioteca do usuário por até três dias e, a partir do momento que se comece a assisti-lo, são 24 horas para terminá-lo Mais informações:www.44.mostra.org
Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página
e clique no sino para receber notificações.
Esse conteúdo é de acesso exclusivo aos assinantes do OP+
Filmes, documentários, clube de descontos, reportagens, colunistas, jornal e muito mais
Conteúdo exclusivo para assinantes do OPOVO+. Já é assinante?
Entrar.
Estamos disponibilizando gratuitamente um conteúdo de acesso exclusivo de assinantes. Para mais colunas, vídeos e reportagens especiais como essas assine OPOVO +.