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25 anos de morte de Marguerite Duras: o que não salva, mas permanece
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João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.

João Gabriel Tréz arte e cultura

25 anos de morte de Marguerite Duras: o que não salva, mas permanece

Romancista, dramaturga, roteirista e cineasta, a francesa Marguerite Duras morreu há exatos 25 anos deixando legado forte e permanente no cinema
Tipo Análise
Romancista, roteirista e cineasta, Marguerite Duras morreu aos 81 anos, em 3 de março de 1996 (Foto: FOTOS: divulgação)
Foto: FOTOS: divulgação Romancista, roteirista e cineasta, Marguerite Duras morreu aos 81 anos, em 3 de março de 1996

"Não sei se é você quem me interessou ou sua história", diz ao personagem de Robert Hossein a jovem interpretada por Julie Dassin em "La musica", primeiro filme dirigido por Marguerite Duras. Dos 80 minutos do longa, ela aparece com destaque em quase metade, mas é coadjuvante da história do ex-casal vivido por Hossein e Delphine Seyrig. O jogo de ausências e presenças operado no filme traz consigo características essenciais da obra da diretora. Romancista antes de cineasta, Donnadieu antes de Duras, a artista - cuja morte completa hoje 25 anos - traz na filmografia fortes aspectos de identidade, autobiografia, linguagem, literatura e experimentação.

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Nascida em 4 de abril de 1914 na província de Gia Dinh (hoje a cidade de Ho Chi Minh, no sul do Vietnã, na época área de colonização francesa), Marguerite Germaine Marie Donnadieu teve o crescimento impactado pela vida na região, elemento que levou para inúmeras obras.

A estreia na literatura veio em 1943, quando publicou "Os Insolentes" já adotando o nome de Marguerite Duras. Ao longo das décadas de 1940 e 1950, dedicou-se à ação política e à produção literária. Eventualmente, aproximou-se do teatro e do cinema.

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Os livros de Duras começaram a ser adaptados para o audiovisual nestas décadas, mas ela só foi de fato adentrar na linguagem em 1958, quando escreveu o roteiro de "Hiroshima Mon Amour", dirigido por Alain Resnais. Em 1961, o trabalho chegou a ser indicado ao Oscar de melhor roteiro original. No mesmo ano, foi lançado "Uma Tão Longa Ausência", com roteiro também assinado por ela, que venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes.

A estreia na direção, enfim, chegou em 1967, com o já citado "La musica". O filme, co-dirigido com Paul Seban, é uma adaptação de uma peça de Duras - e não por acaso. A aproximação da escritora da realização se deu por constantes insatisfações que tinha com as adaptações que outras pessoas faziam de suas obras.

Do final dos anos 1960 até o final dos anos 1970, Duras se dedicou de forma intensa à produção cinematográfica, dirigindo não somente adaptações de peças e romances de sua autoria, mas também criando histórias originais para o cinema - inclusive, muitas vezes, retorcendo convenções da linguagem cinematográfica.

Em "Nathalie Granger" (1971), por exemplo, ela opta por um caminho de introspecção e incompletude, apresentando uma tarde durante a qual duas mulheres falam de forma elusiva e distante sobre assuntos pouco concretos, num marasmo interrompido pontualmente por presenças também pouco expositivas.

"India Song" (1975) se desenvolve a partir de múltiplas vozes em off que não se conectam diretamente às imagens, mas que comentam entre si histórias, questões e dúvidas sobre as personagens que vemos e nunca ouvimos. É uma escolha que questiona a base da linguagem cinematográfica, a união entre som e imagem. As opções estéticas, ressalte-se, trazem uma operação à parte, construindo planos no estilo "quadros vivos", com movimentações precisas de câmera e elementos de cena.

Pode-se citar, ainda, "Le camion" (1977) - o único longa dirigido por ela que participou do Festival de Cannes -, filme que consiste no registro da leitura de um roteiro. "Le Navire Night" (1979) também tem na voz em off sua base, sendo um longa que resume o texto do roteiro à enunciação, sem ação direta.

O último longa dirigido pela cineasta é a comédia "Les enfants" (1985), mas isto não significou o distanciamento de Duras do cinema. Ela seguiu roteirizando para filmes de alguns parceiros criativos e suas obras de teatro e literatura também seguiram sendo adaptadas.

Em 1995, no mês de outubro, foi lançado o livro "C'est tout" ("é tudo", na tradução para o português), obra com traços autobiográficos que reúne pequenos escritos íntimos da artista ao longo de um período no qual esteve doente.

Após ser indicada ao Oscar pelo roteiro de "O Ano Passado em Marienbad", Marguerite Duras estreou na direção de filmes em 1967
Foto: divulgação
Após ser indicada ao Oscar pelo roteiro de "O Ano Passado em Marienbad", Marguerite Duras estreou na direção de filmes em 1967

Em formato de diário, "C'est tout" documenta a finitude de Duras, trazendo reflexões sobre amor, atuação artística e posteridade. Na época, ela estava se relacionando com o jovem Yann Andréa, um escritor bissexual 36 anos mais novo. Foi ele quem reuniu os trechos que compõem o livro. Em um registro de 21 de novembro de 1994, Yann pergunta a Marguerite quem irá se lembrar dela. Ela responde: "Os jovens leitores. Os pequenos alunos".

Um ensinamento preciso a estes "estudantes" vem em 13 de abril de 1995, dia em que Duras atesta: "Escrever toda a vida, isso ensina a escrever. Isso não salva de nada". Cinco meses após o lançamento de "C'est tout", a romancista, roteirista e diretora morreria aos 82 anos, permanecendo nos "jovens leitores", nos "pequenos alunos" e na História.

Onde assistir

Alguns dos filmes escritos ou dirigidos por Marguerite Duras são difíceis de encontrar nas plataformas e na Internet. Há alguns, porém, que estão disponíveis em diferentes serviços de streaming ou até de compra e aluguel digital. Confira seleção!

Hiroshima Mon Amour

Dirigido pelo cineasta Alain Resnais, o filme tem roteiro assinado por Duras. Um clássico do cinema, o longa acompanha o caso amoroso entre uma atriz francesa e um arquiteto japonês casado durante a estadia dela na cidade de Hiroshima por conta da produção de um filme contrário à guerra no local.

Disponível para stream no Looke, NetMovies e Oldflix e para aluguel no Mubi e no Looke

India Song

Delphine Seyrig em primeiro plano em cena de 'India Song'
Foto: divulgação
Delphine Seyrig em primeiro plano em cena de 'India Song'

Protagonizado pela atriz Delphine Seyrig, o filme conta a história de Anne-Marie Stretter, esposa de um diplomata francês que vive na Índia dos anos 1930. A partir de vozes em off, a produção acompanha reflexões sobre opressão, colonialismo e adultério a partir daquele contexto.

Disponível para aluguel no Mubi

Baxter, Vera Baxter

O filme 'Baxter, Vera Baxter' está disponível no Mubi
Foto: divulgação
O filme 'Baxter, Vera Baxter' está disponível no Mubi

A vida da protagonista Vera é recontada, destrinchando a relação com um marido que a utiliza para tentar escapar da falência de um negócio ao caso amoroso que tem com outro homem.

Disponível para aluguel e stream no Mubi

Memórias da Dor

O filme de 2017 dirigido e roteirizado por Emmanuel Finkiel é uma adaptação de um livro escrito por Duras que reconta a participação da escritora na Segunda Guerra Mundial. Ex-militante da Resistência e do Partido Comunista francês, a artista se envolveu com um inimigo de guerra na busca por pistas do marido preso numa França ocupada por nazistas.

Disponível para stream no Telecine, aluguel na Apple TV e compra no YouTube

O Amante

Adaptação de um dos romances mais famosos de Duras, o filme dirigido por Jean-Jacques Annaud segue o romance entre uma adolescente francesa e um homem chinês mais velho no Vietnã de 1929, época da colonização francesa na região

Disponível para aluguel no Google Play e na Apple TV e aluguel e compra no YouTube 

Foto do João Gabriel Tréz

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