25 anos de morte de Marguerite Duras: o que não salva, mas permanece
João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.
"Não sei se é você quem me interessou ou sua história", diz ao personagem de Robert Hossein a jovem interpretada por Julie Dassin em "La musica", primeiro filme dirigido por Marguerite Duras. Dos 80 minutos do longa, ela aparece com destaque em quase metade, mas é coadjuvante da história do ex-casal vivido por Hossein e Delphine Seyrig. O jogo de ausências e presenças operado no filme traz consigo características essenciais da obra da diretora. Romancista antes de cineasta, Donnadieu antes de Duras, a artista - cuja morte completa hoje 25 anos - traz na filmografia fortes aspectos de identidade, autobiografia, linguagem, literatura e experimentação.
Nascida em 4 de abril de 1914 na província de Gia Dinh (hoje a cidade de Ho Chi Minh, no sul do Vietnã, na época área de colonização francesa), Marguerite Germaine Marie Donnadieu teve o crescimento impactado pela vida na região, elemento que levou para inúmeras obras.
A estreia na literatura veio em 1943, quando publicou "Os Insolentes" já adotando o nome de Marguerite Duras. Ao longo das décadas de 1940 e 1950, dedicou-se à açãopolítica e à produçãoliterária. Eventualmente, aproximou-se do teatro e do cinema.
Os livros de Duras começaram a ser adaptados para o audiovisual nestas décadas, mas ela só foi de fato adentrar na linguagem em 1958, quando escreveu o roteiro de "Hiroshima Mon Amour", dirigido por Alain Resnais. Em 1961, o trabalho chegou a ser indicado ao Oscar de melhor roteiro original. No mesmo ano, foi lançado "Uma Tão Longa Ausência", com roteiro também assinado por ela, que venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes.
A estreia na direção, enfim, chegou em 1967, com o já citado "La musica". O filme, co-dirigido com Paul Seban, é uma adaptação de uma peça de Duras - e não por acaso. A aproximação da escritora da realização se deu por constantes insatisfações que tinha com as adaptações que outras pessoas faziam de suas obras.
Do final dos anos 1960 até o final dos anos 1970, Duras se dedicou de forma intensa à produção cinematográfica, dirigindo não somente adaptações de peças e romances de sua autoria, mas também criando histórias originais para o cinema - inclusive, muitas vezes, retorcendo convenções da linguagem cinematográfica.
Em "Nathalie Granger" (1971), por exemplo, ela opta por um caminho de introspecção e incompletude, apresentando uma tarde durante a qual duas mulheres falam de forma elusiva e distante sobre assuntos pouco concretos, num marasmo interrompido pontualmente por presenças também pouco expositivas.
Já "India Song" (1975) se desenvolve a partir de múltiplas vozes em off que não se conectam diretamente às imagens, mas que comentam entre si histórias, questões e dúvidas sobre as personagens que vemos e nunca ouvimos. É uma escolha que questiona a base da linguagem cinematográfica, a união entre som e imagem. As opções estéticas, ressalte-se, trazem uma operação à parte, construindo planos no estilo "quadros vivos", com movimentações precisas de câmera e elementos de cena.
Pode-se citar, ainda, "Le camion" (1977) - o único longa dirigido por ela que participou do Festival de Cannes -, filme que consiste no registro da leitura de um roteiro. "Le Navire Night" (1979) também tem na voz em off sua base, sendo um longa que resume o texto do roteiro à enunciação, sem ação direta.
O último longa dirigido pela cineasta é a comédia "Les enfants" (1985), mas isto não significou o distanciamento de Duras do cinema. Ela seguiu roteirizando para filmes de alguns parceiros criativos e suas obras de teatro e literatura também seguiram sendo adaptadas.
Em 1995, no mês de outubro, foi lançado o livro "C'est tout" ("é tudo", na tradução para o português), obra com traços autobiográficos que reúne pequenos escritos íntimos da artista ao longo de um período no qual esteve doente.
Em formato de diário, "C'est tout" documenta a finitude de Duras, trazendo reflexões sobre amor, atuação artística e posteridade. Na época, ela estava se relacionando com o jovem Yann Andréa, um escritor bissexual 36 anos mais novo. Foi ele quem reuniu os trechos que compõem o livro. Em um registro de 21 de novembro de 1994, Yann pergunta a Marguerite quem irá se lembrar dela. Ela responde: "Os jovens leitores. Os pequenos alunos".
Um ensinamento preciso a estes "estudantes" vem em 13 de abril de 1995, dia em que Duras atesta: "Escrever toda a vida, isso ensina a escrever. Isso não salva de nada". Cinco meses após o lançamento de "C'est tout", a romancista, roteirista e diretora morreriaaos82 anos, permanecendo nos "jovens leitores", nos "pequenos alunos" e na História.
Onde assistir
Alguns dos filmes escritos ou dirigidos por Marguerite Duras são difíceis de encontrar nas plataformas e na Internet. Há alguns, porém, que estão disponíveis em diferentes serviços de streaming ou até de compra e aluguel digital. Confira seleção!
Hiroshima Mon Amour
Dirigido pelo cineasta Alain Resnais, o filme tem roteiro assinado por Duras. Um clássico do cinema, o longa acompanha o caso amoroso entre uma atriz francesa e um arquiteto japonês casado durante a estadia dela na cidade de Hiroshima por conta da produção de um filme contrário à guerra no local.
Disponível para stream no Looke, NetMovies e Oldflix e para aluguel no Mubi e no Looke
India Song
Protagonizado pela atriz Delphine Seyrig, o filme conta a história de Anne-Marie Stretter, esposa de um diplomata francês que vive na Índia dos anos 1930. A partir de vozes em off, a produção acompanha reflexões sobre opressão, colonialismo e adultério a partir daquele contexto.
Disponível para aluguel no Mubi
Baxter, Vera Baxter
A vida da protagonista Vera é recontada, destrinchando a relação com um marido que a utiliza para tentar escapar da falência de um negócio ao caso amoroso que tem com outro homem.
Disponível para aluguel e stream no Mubi
Memórias da Dor
O filme de 2017 dirigido e roteirizado por Emmanuel Finkiel é uma adaptação de um livro escrito por Duras que reconta a participação da escritora na Segunda Guerra Mundial. Ex-militante da Resistência e do Partido Comunista francês, a artista se envolveu com um inimigo de guerra na busca por pistas do marido preso numa França ocupada por nazistas.
Disponível para stream no Telecine, aluguel na Apple TV e compra no YouTube
O Amante
Adaptação de um dos romances mais famosos de Duras, o filme dirigido por Jean-Jacques Annaud segue o romance entre uma adolescente francesa e um homem chinês mais velho no Vietnã de 1929, época da colonização francesa na região
Disponível para aluguel no Google Play e na Apple TV e aluguel e compra no YouTube
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