"Licorice Pizza", indicado ao Oscar, fala de afeto e maturidade
João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.
"Licorice Pizza", indicado ao Oscar, fala de afeto e maturidade
Primeiro amor platônico de adolescente de 15 anos por uma jovem é o mote do indicado ao Oscar "Licorice Pizza", de Paul Thomas Anderson, que fala sobre maturidade e afeto
Maturidade é, talvez, o principal tema de "Licorice Pizza", escrito e dirigido pelo cineasta Paul Thomas Anderson — ou, talvez, as tensões vindas dela. Do adolescente Gary Valentine (interpretado por Cooper Hoffman, filho do ator Philip Seymour Hoffman, parceiro criativo de PTA em filmes anteriores) à jovem Alana (Alana Haim, do trio musical indicado ao Grammy, em estreia no cinema), passando por personagens coadjuvantes marcantes como Jack Holden (Sean Penn) e Jon Peters (Bradley Cooper), o filme traça retratos distintos de figuras perdidas entre gerações.
O encontro inicial entre Gary e Alana, inclusive, se dá em um contexto de choque entre fases da vida. No colégio dele, os alunos aguardam em longas filas para tirar retratos oficiais de ensino médio. Ao redor dos adolescentes, jovens como Alana oferecem pentes e espelhos para que se arrumem antes da foto. Ele, aos 15 anos, usa a oferta feita por ela como justificativa para se aproximar e convidá-la para um encontro.
A ousadia do menino conquista a jovem, que demarca a diferença de idade entre os dois — ela tem 25 anos —, mas não deixa de dar atenção a ele. Só na conversa que abre a produção, já são perceptíveis os aspectos nos quais as personagens "desviam" do que se espera socialmente de cada uma delas. Enquanto Gary se vangloria pela carreira como ator e até empreendedor, Alana, mesmo já adulta, faz bico de assistente de retratos colegiais e não tem perspectiva de um emprego fixo.
Apesar das diferenças (ou por causa delas), Gary e Alana começam de maneira despretensiosa — assim como é o próprio filme — uma relação ora platônica, ora amigável, ora confusa. A ambientação setentista e o despojamento das personagens principais e das situações adicionam camadas de charme e leveza bem-vindas à trama, que, dosando comédia e drama, cria situações quase fabulares.
Essa atmosfera de "conto de fadas" pode ser atribuída ao tom nostálgico e até memorialístico do filme — apesar de "Licorice Pizza" não ser autobiográfico, a história toma como base situações vistas ou compartilhadas com o cineasta, que, ainda, foi criança na Los Angeles dos anos 1970. O mote de partida foi inspirado na tentativa de flerte que o diretor presenciou de um adolescente para uma fotógrafa em 2001. Já a construção de Gary toma como referência histórias do ex-ator mirim Gary Goetzman, amigo pessoal de Anderson que viveu situações retratadas no filme.
Não há de fato elementos de fantasia na produção, ressalte-se, mas na progressão narrativa certas situações e aspectos desviam de uma abordagem mais clássica e realista, seja o desenrolar do viés empreendedor de Gary, seja a intensa sequência que envolve Alana manobrando um caminhão em uma situação de conflito — explicar mais é estragar a experiência da cena.
Ainda no tom fabular, é possível encontrar nas propostas narrativas de "Licorice Pizza" paralelos com a ideia de Peter Pan, o menino que não queria crescer. Ainda que isso não ocorra, felizmente, de forma mais óbvia ou definitiva. Isso porque, no longa, há tanto a negação da maturidade, mais presente em Alana, quanto uma "precocização" em Gary.
Ao mesmo tempo, as personagens não se limitam a esses moldes e são complexificadas com a progressão do roteiro. A confusão de gerações retratada é mais do que uma oposição óbvia e binária de "adulta infantilizada x adolescente maduro". Gary, por exemplo, é, sim, este menino de 15 anos que lida com o mundo de forma adultizada, mas ao mesmo tempo exala inexperiência, até ingenuidade e age, muitas vezes, como criança. Já Alana, ao mesmo tempo que recusa a vida adulta, estranha a própria escolha por socializar com um grupo de adolescentes ao invés de construir um caminho "maduro" esperado.
O choque geracional não é necessariamente entre diferentes, mas especialmente um conflitointerno que é elaborado, inclusive, além da dupla protagonista. Em presença pontual na trama, por exemplo, Jack Holden (Sean Penn) é um ator de sucesso que envelheceu e parece não querer aceitar. A presença dele tem ápice em uma cena na qual se arrisca fisicamente na intenção de emular momentos de glória da juventude, o que ajuda na construção de reflexões do longa sobre o tema.
Intrinsecamente ligadas às questões sobre maturidade, estão aquelas que se desenvolvem a partir da relação direta entre Gary e Alana. A diferença de idade de ambos no filme chegou a provocar controvérsia antes da estreia dele nos Estados Unidos, mas a abordagem do roteiro se vale em especial do caráter platônico e de amizade, carinho e cuidado mútuos entre os dois. A representação máxima das recusas das personagens, que se aproximam por essa espécie de inadequação geracional, é melhor posta em imagem pelas constantes cenas de corrida. Juntos ou separados, em direções opostas ou um para o outro, Alana e Gary correm como quem se nega a enraizar em busca de algo que nem se sabe o que é ou será.
Confira o trailer:
Licorice Pizza
Quando: estreia quinta, 17, no Iguatemi e no RioMarFortaleza
As indicações
Melhor Filme
Melhor Direção - Paul Thomas Anderson
Melhor Roteiro Original - Paul Thomas Anderson
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