Ousmane Sembène no Cinema do Dragão para "descolonizar as telas"
João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.
Ousmane Sembène no Cinema do Dragão para "descolonizar as telas"
Em cartaz a partir desta sexta-feira, 14, no Cinema do Dragão, a mostra gratuita "O Cinema de Ousmane Sembène" celebra vida e obra do cineasta senegalês
“Ele faz do cinema a sua forma de expressão, mas também o seu front de luta”. A definição da curadora e pesquisadora Janaína Oliveira sobre o cineasta senegalês Ousmane Sembène (1923-2007) ajuda a contextualizar aquele que é uma das figuras-chaves do cinema africano.
A obra do diretor e roteirista é celebrada na mostra “O Cinema de Ousmane Sembène”, que ocorre no Cinema do Dragão entre os dias 14 e 19 de julho e exibe sete filmes do cineasta. A programação é gratuita e é necessária a retirada de ingresso na bilheteria do local a partir das 14 horas do dia de cada sessão. Além das exibições, haverá ainda masterclass aberta sobre Sembène com a curadora nesta sexta, 14, às 19h30min.
“Ele é considerado por muitos não só um dos pioneiros, mas figura-chave para a criação, ampliação e ativação do cinema africano não só por conta das obras, mas da atuação política para o desenvolvimento dele no continente”, explica Janaína.
Tendo dirigido o primeiro filme, o curta “O Carroceiro”, em 1963, Sembène alcançou maior projeção após o primeiro longa-metragem, “A negra de…” (1966). A partir disso, o diretor se articula, em especial politicamente, com o tunisiano Tahar Cheriaa, crítico também destacado pela curadora como “figura-chave no processo de construção desse campo de circulação, produção e articulação”.
Neste sentido, Sembène “vai trazer uma agenda para a produção de filmes, em certo sentido definindo que a missão do cinema africano nesse contexto das décadas iniciais é contar histórias africanas numa perspectiva africana para um público africano”, explica a pesquisadora.
O gesto de “descolonizar as telas”, ela elenca, inclui a criação de novos circuitos de exibição, o rompimento de laços de distribuição de obras com a Europa e os EUA e o esforço de aproximar a produção da população do continente. Antes de ser cineasta, Sembène foi autor de livros, mas reconheceu na linguagem audiovisual possibilidades de maior alcance da mensagem que buscava passar.
“Sembène parte do princípio que o cinema tem uma função política, social. É uma arte, mas é uma ferramenta para descolonização das mentes”, dá conta Janaína. Entre as temáticas tratadas por ele, a curadora destaca um marcado “teor crítico das condições do pós-independência no Senegal ou na África em contexto mais amplo”.
“Ele foi crítico das diferentes formas de colonialismo, há uma crítica à sociedade senegalesa em sua relação com a perpetuação dos valores coloniais. Os filmes têm uma dimensão de uma chamada à ação. O que eu destacaria é realmente esse teor crítico e combativo, atuante, ativista da obra de Sembène, um trabalho que vai influenciar gerações de cineastas pelo continente africano e também na diáspora”, aprofunda.
A gênese desta mostra sobre Ousmane Sembène surgiu após a realização em janeiro, na Cinemateca Francesa, de uma grande retrospectiva da carreira do artista para marcar o centenário dele. “A partir daí, surgiu a iniciativa e o desejo da minha parte, da Layla Braz e do Matheus Pereira de trazê-la para o Brasil”, contextualiza Janaína, citando integrantes da produção do evento.
A concretização do projeto no País se deu através de parceria com a Fundação Clóvis Salgado, de Belo Horizonte. O Cine Humberto Mauro, na capital mineira, recebeu a mostra pela primeira vez, mas desde o início havia intenção de circulação.
“A gente pensou que era importante trazer para outros espaços também, e aí veio a decisão de descentralizar do eixo Rio-SP”, afirma Layla, produtora do evento. “É muito importante o público conhecer essas cinematografias, porque é algo que nos escapa muito”, defende, em referência à produção de realizadores africanos.
Fortaleza é a primeira cidade a receber a programação após a realização original em Belo Horizonte. A mostra passará ainda por Brasília e Salvador e há possibilidades da itinerância também alcançar João Pessoa e Recife.
A passagem pela capital cearense , por sua vez, se concretiza a partir de parceria com o Cinema do Dragão. “Tinha o desejo da própria produção da mostra e que tem muito a ver com o nosso desejo e programa de curadoria de continuar cumprindo o lugar do circuito independente, mas também pensando a possibilidade de articulação de mostras e ciclos de cinema variados”, explica Kênia Freitas, curadora e programadora do Cinema do Dragão.
Atividades formativas
A versão da mostra que chega a Fortaleza é levemente reduzida, após ajustes de disponibilidade das obras e das próprias salas do Cinema do Dragão. Originalmente, “O Cinema de Ousmane Sembène” contou com nove filmes. Na capital cearense, serão exibidos sete obras.
Kênia Freitas, porém, destaca que, além das sessões, a passagem do evento por Fortaleza inclui também atividades formativas, com a presença da pesquisadora Janaína Oliveira na Cidade.
A curadora irá ministrar a masterclass gratuita "Ousmane Sembène, o cinema e a África" nesta sexta-feira, 14, às 19h30min, no Porto Iracema das Artes. Além da palestra, Janaína irá apresentar as quatro sessões que irão acontecer neste sábado, 15, e domingo, 16.
“A gente conseguiu articular e trazer a Janaína entendendo que a exibição dos filmes é muito importante, mas é, também, ter esse olhar cuidadoso de uma pesquisadora dedicada a isso que consiga contextualizar, apresentar e falar sobre esses filmes para o público de Fortaleza de maneira bem completa”, destaca Kênia.
O Cinema de Ousmane Sembène - um tributo ao centenário do pioneiro dos cinemas africanos
Quando: de 14 a 19 de julho, com sessões a partir das 17 horas
Onde: Cinema do Dragão (rua Dragão do Mar, 81, Praia de Iracema)
Entrada gratuita, mediante retirada de ingresso na bilheteria do Cinema a partir das 14 horas do dia de cada sessão
(Foto: divulgação)Filme 'Campo De Thiaroye' (1988), de Ousmane Sembène e Thierno Faty Sow
(Foto: divulgação)Filme 'Ceddo' (1977), de Ousmane Sembène
(Foto: divulgação)Filme 'Xala' (1975), de Ousmane Sembène
(Foto: divulgação)Filme 'Guelwaar' (1992), de Ousmane Sembène
(Foto: divulgação)Filme 'Moolaadé' (2004), de Ousmane Sembène
(Foto: divulgação)Filme 'Mandabi' (1968), de Ousmane Sembène
(Foto: divulgação)O realizador senegalês Ousmane Sembène (1913-2007) é "figura-chave" do cinema africano e ganha mostra gratuita no Cinema do Dragão
(Foto: divulgação)Filme 'A negra de...' (1966), de Ousmane Sembène
Confira programação completa
Sexta, 14
18 horas - A Negra De... (1966)
Sinopse: Uma senegalesa (Mbissine Thérèse Diop) sonha com uma vida melhor no exterior. Ela aceita um emprego como governanta de uma família francesa, mas seus deveres são reduzidos aos de uma empregada após a família se mudar para o sul da França. No novo país, ela é consciente de sua raça ao ser maltratada por seus empregadores.
19h30min - Masterclass "Ousmane Sembène, o cinema e a África", ministrada por Janaína Oliveira na Escola Porto Iracema das Artes (rua Dragão do Mar, 160)
Sábado, 15
17 horas - Ceddo (1977)
Sinopse: Em protesto contra a conversão forçada ao Islã, os Ceddo (forasteiros) sequestram a filha do rei (Matoura Dia), a princesa Dior Yacine (Tabata Ndiaye) e a mantêm como refém.
19h30min - Moolaadé (2004)
Sinopse: Com medo de sofrer mutilação genital, um grupo de meninas foge de sua própria cerimônia de "purificação" e se refugia com Collé (Fatoumata Coulibaly), uma mulher que poupou sua filha do mesmo destino. Collé lança um feitiço para proteger as meninas, o que causa muita consternação entre os anciãos da aldeia. Em retaliação, eles confiscam os rádios das aldeãs e exigem que o feitiço seja quebrado, mas Collé se mantém firme.
Sessões apresentadas pela curadora Janaína Oliveira
Domingo, 16
17 horas - Mandabi (1968)
Sinopse: Ibrahim Dieng (Makhouredia Gueye) está desempregado e precisa sustentar sua família. Certo dia, ele recebe uma ordem de pagamento, mas para descontar o cheque ele precisa apresentar um documento de identidade, o que não tem. Começa assim uma correria absurda no mundo da burocracia senegalesa, onde Ibrahim acaba lidando com corrupção, ganância, problemas familiares e até mesmo com a modernização da vida ao seu redor.
19 horas - Xala (1975)
Sinopse: Um político corrupto é amaldiçoado com impotência na noite de seu terceiro casamento depois de desviar cem toneladas de arroz.
Sessões apresentadas pela curadora Janaína Oliveira
Terça-feira, 18
19 horas - Guelwaar (1992)
Sinopse: O enterro de um ativista político cristão em um cemitério muçulmano inflama um conflito de fervor religioso. Um retrato satírico da religião e da política; por vezes bem-humorado, por vezes mortalmente sério.
Quarta, 19
18h30min - Campo De Thiaroye (1988), com codireção de Thierno Faty Sow
Sinopse: Inspirado em Histórias Reais. No Senegal, em 1944, um batalhão de atiradores chega ao campo de trânsito de Thiaroye para ser desmobilizado. Eles voltam da Europa onde combateram contra os alemães para libertar a metrópole. O orgulho de velhos combatentes é rapidamente substituído pela desilusão perante as promessas não cumpridas, em relação, sobretudo, às suas economias, às humilhações e ao racismo na hierarquia militar.
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