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O humano que os algoritmos não substituem
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A psicanalista Claudia Molinna é também advogada, especialista em Direito Penal e Médico. Foi uma das primeiras Delegadas da Mulher no Brasil e fundadora da tropa de elite da Polícia Civil de Pernambuco, o GOE - Grupo de Operações Especiais. Atualmente, é vice-presidente da Associação dos Delegados e Delegadas da Polícia Civil do Estado de Pernambuco

Cláudia Molinna comportamento

O humano que os algoritmos não substituem

É o olho no olho, o pacto silencioso de um aperto de mão ou a sobrancelha erguida no instante certo, que podem comunicar aquilo que nenhum mecanismo automatizado consegue traduzir
O impacto da IA nas relações (Foto: Justin TALLIS / AFP)
Foto: Justin TALLIS / AFP O impacto da IA nas relações

Há quem domine códigos complexos, programe robôs e decifre algoritmos em segundos. Mas poucos ainda carregam a especialidade que se tornou rara, ou seja, a arte do encontro humano.

Saber distinguir o peso de um olhar direto, a firmeza de um aperto de mão ou o silêncio que diz mais do que mil palavras, virou quase uma ciência esquecida.

Enquanto há uma corrida atrás da inteligência artificial (IA), onde se aprende a interagir com chats velozes e sistemas que parecem prever nossos desejos, um vazio silencioso cresce, o que revela a falta de especialistas no mundo real.

Desta forma, na pressa de nos digitalizar, esquecemos algo que já foi trivial e hoje é raro: a presença autêntica.

Não é apenas impressão, pois pesquisas em hospitais revelam que pacientes desejam menos cliques e mais acolhimento humano. No mercado de luxo, consumidores exploram marcas pela internet, mas preferem concluir a compra na loja física, porque o contato direto transmite confiança e pertencimento. A tecnologia entrega eficiência, mas não transmite calor.

A experiência analógica, antes banal, agora é um diferencial. O gesto de atenção genuína ou o sorriso empático se tornaram tão escassos, que valem mais do que qualquer promoção. É como se o humano, em meio a esta superficialidade, tivesse virado um bem de alto valor.

A filosofia sempre soube disso. Emmanuel Lévinas, filósofo ético, afirmou que é o rosto do outro que nos responsabiliza. Martin Buber, pensador racional, disse que o verdadeiro encontro só acontece no “Eu e Tu”, sem mediações.

Portanto, é o olho no olho, o pacto silencioso de um aperto de mão ou a sobrancelha erguida no instante certo, que podem comunicar aquilo que nenhum mecanismo automatizado consegue traduzir.

O risco da era digital é achar que velocidade substitui sentido. Máquinas calculam, mas não intuem. Algoritmos antecipam padrões, mas não improvisam. Plataformas de conversa respondem, mas não sustentam silêncios. Nesse intervalo, no que a máquina não alcança, mora o futuro do humano.

Não se trata de negar a tecnologia, pois aprender a lidar com a inteligência artificial é essencial, mas cultivar a inteligência emocional será cada vez mais incomum e valioso. Logo, é o profissional que sabe acolher, escutar, improvisar e estar presente, que terá espaço garantido em qualquer cenário.

Talvez a grande revolução que nos aguarda não seja a digital, mas a humana. Um futuro em que não bastará dominar códigos, será preciso dominar gestos.

Não apenas aprender o dialeto computacional, mas reaprender a linguagem do olhar, do toque e da presença. Porque, no fim, a verdade é que nenhum algoritmo consegue decodificar a beleza de um encontro verdadeiro.

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