Logo O POVO+
A IA está deixando você mais burro, segundo a Microsoft
Foto de Vladimir Nunan
clique para exibir bio do colunista

Vladimir Nunan é CEO da Eduvem, uma startup premiada com mais de 20 reconhecimentos nacionais e internacionais. Fora do mundo corporativo, é um apaixonado por esportes e desafios, dedicando-se ao triatlo e à busca contínua pela superação. Nesta coluna, escreve sobre tecnologia e suas diversidades

Vladimir Nunan tecnologia

A IA está deixando você mais burro, segundo a Microsoft

Intitulado The Impact of Generative AI on Critical Thinking, o levantamento examinou 936 situações reais em que 319 profissionais utilizaram inteligência artificial para realizar tarefas cognitivas
Script usado: Person with donkey hat, Photography, Shot on 70mm, Depth of Field, --ar 16:9 --v 6.0 (Foto: Inteligência Artificial (script próprio): Midjourney)
Foto: Inteligência Artificial (script próprio): Midjourney Script usado: Person with donkey hat, Photography, Shot on 70mm, Depth of Field, --ar 16:9 --v 6.0

A revolução da inteligência artificial generativa está transformando profundamente o ambiente de trabalho. Ferramentas como ChatGPT, Copilot e Gemini estão sendo integradas a fluxos de produção, plataformas de produtividade e sistemas de apoio à decisão.

No entanto, além da velocidade e eficiência que proporcionam, está em curso um fenômeno mais sutil e igualmente perigoso: a terceirização do pensamento crítico.

Um estudo publicado pela Microsoft Research em janeiro de 2025 analisou essa questão de forma direta. Intitulado The Impact of Generative AI on Critical Thinking, o levantamento examinou 936 situações reais em que 319 profissionais utilizaram inteligência artificial para realizar tarefas cognitivas.

O objetivo era entender como o uso dessas ferramentas afeta o esforço mental e o envolvimento crítico dos trabalhadores do conhecimento.

Os resultados apontam para um alerta importante: quanto maior a confiança nas respostas da IA, menor o impulso para questionar, refletir e verificar. A eficiência operacional cresce, mas a autonomia cognitiva tende a encolher. A IA não apenas fornece respostas. Ela modifica o comportamento humano.

O que está em jogo: pensamento crítico

O pensamento crítico é a capacidade de analisar informações, formular julgamentos e tomar decisões com base em evidências, lógica e contexto. Não se trata apenas de ser cuidadoso ou cético. É uma habilidade essencial para lidar com problemas complexos, fazer escolhas informadas e construir conhecimento com profundidade.

Apesar disso, o estudo sugere que a inteligência artificial generativa pode levar os usuários a um estado de passividade mental. Isso ocorre quando a facilidade de obter respostas automatizadas reduz o envolvimento ativo do indivíduo na tarefa. A IA começa a substituir a reflexão humana de maneira quase invisível.

Metodologia do estudo

A pesquisa conduzida pela Microsoft envolveu trabalhadores do conhecimento de diferentes áreas e níveis profissionais. Todos os participantes já utilizavam IA generativa em suas rotinas de trabalho. Eles foram convidados a descrever situações concretas em que utilizaram a tecnologia e avaliar aspectos como:

  • Tipo de tarefa executada com apoio da IA. Confiança nas respostas da IA e em sua própria capacidade de análise.
  • Esforço mental envolvido.
  • Motivação para aplicar pensamento crítico.

Com base nessas informações, os pesquisadores identificaram padrões de comportamento. Entre eles, destacou-se o seguinte: quanto mais confiável parecia a resposta gerada pela IA, menos os usuários sentiam necessidade de revisá-la criticamente.

Já os participantes com maior confiança em sua própria capacidade de julgamento mostraram níveis mais altos de engajamento mental.

Confiança na IA reduz o pensamento crítico

Um dos principais achados da pesquisa foi a relação entre confiança na IA e diminuição do esforço cognitivo. Ou seja, quando os participantes acreditavam que a IA estava fornecendo uma resposta correta ou bem escrita, tendiam a aceitá-la sem fazer uma revisão crítica.

Esse comportamento é problemático por dois motivos. Em primeiro lugar, revela um viés de autoridade atribuído à máquina. A aparência sofisticada da ferramenta leva os usuários a assumir que ela está sempre certa. Em segundo lugar, demonstra uma transferência perigosa do julgamento próprio para o algoritmo.

Com o tempo, os indivíduos deixam de pensar de forma independente e se tornam dependentes da IA até mesmo para decisões simples.

O estudo mostra que isso é especialmente grave em tarefas que exigem análise, avaliação e síntese de informações. Nesses contextos, o pensamento crítico é fundamental. Quando ele é suprimido, o risco de erro e superficialidade aumenta.

Confiança em si mesmo preserva a autonomia mental

Por outro lado, os participantes que relataram alta confiança em sua própria capacidade de análise mostraram maior propensão a revisar as sugestões da IA. Para esse grupo, a tecnologia era vista como um recurso auxiliar, e não como uma fonte absoluta de verdade.

Esse dado é relevante. A autoconfiança funciona como uma espécie de antídoto contra a passividade cognitiva. Indivíduos mais seguros de si mantêm o pensamento crítico ativo mesmo quando recebem sugestões aparentemente confiáveis.

A IA não reduz sua capacidade de julgamento. Ela é tratada como uma ferramenta, e não como um substituto da inteligência humana.

Portanto, o impacto da IA sobre o pensamento crítico depende menos da tecnologia em si e mais da atitude do usuário diante dela.

Redistribuição do esforço mental

Outro achado interessante do estudo diz respeito à forma como o esforço cognitivo é redistribuído quando a IA entra em cena.

Em tarefas de coleta de dados, busca de informações e geração de conteúdo inicial, o uso da IA reduz significativamente o esforço necessário. Isso gera uma sensação de alívio mental.

No entanto, a etapa seguinte, que envolve revisar, editar, interpretar e validar o que foi gerado, exige mais atenção e análise do que muitos usuários estão preparados para aplicar.

Ou seja, a inteligência artificial não elimina o esforço cognitivo. Ela apenas o transfere de uma etapa para outra. A dificuldade está em reconhecer essa transição e manter o envolvimento mental onde ele é mais necessário.

Muitos usuários, por não perceberem essa mudança, acabam deixando de revisar criticamente as respostas da IA. Isso compromete a qualidade do resultado final.

Motivadores e barreiras ao pensamento crítico

A pesquisa também identificou os principais fatores que estimulam ou inibem o uso do pensamento crítico diante de respostas geradas por inteligência artificial.

Entre os motivadores estão:

  • O desejo de entregar um trabalho de alta qualidade.
  • A preocupação com possíveis erros ou consequências negativas.
  • O interesse em aprender com o processo e desenvolver habilidades.
  • Exigências externas, como feedbacks de clientes ou superiores.

Entre as barreiras, destacam-se:

A pressão por produtividade, que leva à aceitação rápida da primeira resposta.
A fadiga mental, especialmente após longos períodos de trabalho.
A falta de percepção sobre a necessidade de revisão.
A confiança excessiva na IA como fonte infalível.

Esses fatores demonstram que o contexto organizacional influencia fortemente a decisão do usuário de revisar ou não as sugestões automatizadas.

O papel do design das ferramentas de IA

Um aspecto relevante do estudo está nas recomendações para o design de ferramentas de IA generativa. Os autores argumentam que a forma como a tecnologia é apresentada ao usuário pode incentivar ou inibir o pensamento crítico.

Três princípios são sugeridos para promover o engajamento reflexivo:

1. Aumentar a consciência sobre o tipo de tarefa: a ferramenta pode alertar o usuário quando uma decisão exige atenção especial. Por exemplo, exibir uma mensagem discreta como "esta resposta afeta resultados importantes. Deseja revisá-la?".

2. Estímulo ao aprendizado e à revisão: a IA pode reconhecer quando o usuário faz uma melhoria significativa em uma sugestão e oferecer feedback construtivo, reforçando o aprendizado por meio do engajamento.

3. Facilidade para verificação de informações: a tecnologia deve oferecer recursos como rastreamento de fontes, explicações sobre como a resposta foi gerada, comparação entre versões e destaque de incertezas.

Essas estratégias não impedem a eficiência. Ao contrário, elas criam um ambiente mais seguro e confiável para o uso da IA no contexto profissional.

Educação crítica para a era da IA

Outro ponto levantado pelos pesquisadores é a necessidade de formação específica para o uso consciente da IA. Mais do que ensinar comandos, é necessário ensinar pensamento crítico aplicado ao uso dessas ferramentas. Esse novo tipo de letramento digital envolve:

  • Saber quando confiar e quando revisar
  • Saber identificar riscos e limitações da IA
  • Saber complementar a IA com julgamento humano
  • Saber recusar sugestões automatizadas quando necessário

Escolas, universidades e empresas devem incorporar essa formação em seus programas educacionais. O pensamento crítico não é uma habilidade obsoleta. Ele é cada vez mais essencial em um mundo onde a automação cresce exponencialmente.

Considerações finais: a máquina não substitui o juízo

A inteligência artificial é uma ferramenta extraordinária. Ela amplia capacidades humanas, acelera processos e viabiliza tarefas antes impensáveis. No entanto, seu uso não pode ser sinônimo de dependência cognitiva.

O estudo da Microsoft mostra que o verdadeiro risco não está no código-fonte da IA, mas no abandono do julgamento humano. Quando as pessoas deixam de pensar porque acreditam que a máquina já pensou por elas, perdem uma parte essencial da autonomia intelectual.

Por isso, o maior desafio da inteligência artificial é pedagógico. Não basta ensinar a usar. É preciso ensinar a usar com discernimento. O profissional do futuro será aquele que souber dialogar com a tecnologia sem perder sua capacidade de reflexão crítica.

Link do estudo completo.

Foto do Vladimir Nunan

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?