Em coma, mãe Vanessa foi salva pelas giras dentro do hospital
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Jornalista formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Desde 1991, atua nas redações dos principais jornais cearenses. Trabalha no O POVO desde 1995. Passou pelas editorias Cidades (como repórter e editor), Ciência & Saúde (repórter), editor de Primeira Página, Núcleos de repórteres especiais e de Jornalismo Investigativo e Núcleo Datadoc, de jornalismo de dados. Hoje, é repórter especial de Cidades. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, incluindo nacionais e internacionais
Em coma, mãe Vanessa foi salva pelas giras dentro do hospital
Ao lado do leito hospitalar, as rezas e as incorporações de Nego Gérson, Sete Encruzilhadas, Preto Velho e outros exus e entidades divinas foram determinantes, além dos medicamentos, para trazer a mãe de santo Vanessa da Costa Lima de volta à vida. A saúde segue sob cuidados. O preconceito também lhe persegue neste plano terreno
Foto: Samuel Setubal
Mãe Vanessa tem 45 anos. É mãe de santo desde os 19. Onze anos atrás, esteve em coma por 45 dias
Mãe Vanessa é preta, pobre, gay, umbandista, rezadeira, mãe, avó. Tem 45 anos. Concluiu o 2º grau, equivalente hoje ao ensino médio. Está dentro do perfil de muitas brasileiras. Neste combo, o preconceito dos que não respeitam está sempre ao redor, sombreia sua rotina. Ela admite ser submetida a pré-julgamentos em cada um desses traços isoladamente. Mas releva a situação com altivez: "Eu sou assim e acabou-se. Independentemente do que você ache de mim ou não". Orgulha-se. É também forte, protegida espiritualmente, mesmo que a saúde tente lhe fraquejar o corpo.
Ela é mãe de santo desde os 19. Ialorixá é posto de fé de alto grau, sacerdotisa, guia de sua gente. Conduz poderes e responsabilidades. Vanessa da Costa Lima foi criada dentro de terreiro. É filha de pai e mãe "macumbeiros" - palavra também usada pejorativamente. Ela não refutou, é da umbanda, sim. Em vez de se retrair, banhou-se nas sabedorias africana e indígena.
Foto: Samuel Setubal FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 11-02-2025: Vanessa da Costa Lima, 45, mãe de santo desde os 19,. do candomblé, da umbanda e da quimbanda, além de ser rezadeira. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)
Foi incentivada a desenvolver seus dons. Aos 14, já interpretava destinos nas cartas do baralho. Aflorou as habilidades, fez “os cruzos” das sete linhas (o Anjo da guarda, Ogum, Oxossi, Preto Velho, Xangô, os Erês, Exu) até o batismo. É médium vidente e inconsciente. O pai, Jacinto, faleceu aos 40 anos. Além da mãe biológica, Maria Cláudia, ela também se apresenta como filha de Cristina, sua tia espírita que a criou, e de Michele, a mãe de santo que lhe recomendou seguir o culto umbandista.
"É uma missão", define. Na umbanda, ela tem a ponte direta com pretos-velhos, caboclos, orixás, índios, exus, pombas-giras, os erês, mães, malandros, a força da natureza nas folhas e cheiros. Orienta caminhos pelo baralho - de onde obtém sua renda diariamente. Às segundas-feiras, alternadamente, faz as noites de gira ou de "desenvolvências" dos seus filhos de santo. Dedica-se mais aos trabalhos de cura, não os de amarração de amores, “não acho certo”.
Essa entrega e mergulho na vida dos outros lhe cobra algumas dores. O acumulado de energias alheias que precisa destravar para ajudar às vezes lhe custam a própria saúde. Onze anos atrás, mãe Vanessa esteve em coma. Por 45 dias. Por conta de um quadro de mazelas que foram diagnosticadas nela simultaneamente, na mesma internação: aneurisma cerebral, meningite fúngica, neurotoxoplasmose e diabetes muito avançada.
Final de 2014, Vanessa tinha ido visitar seu filho biológico, Willamy, no interior do Amazonas (morava à época com uma tia), quando foi tomar banho numa nascente. Por acidente e falta de sorte, ingeriu água contaminada do local. Já de volta a Fortaleza, as dores de cabeça passaram a ser agudas, incessantes. Um dia, deitou-se numa rede e de lá já foi levada para o hospital desmaiada. No coma, as doenças foram detectadas, se desencadearam em sequência. Só souberam que tinha sido aquele mergulho no igarapé depois dos exames médicos, ela em estado gravíssimo.
Já perto de completar um mês e meio hospitalizada, um dos médicos teria recomendado aos familiares que desligassem a aparelhagem que ainda a mantinha viva. A medicação muito mais forte, ela não reagia. Ele não via chances. Foi por uma peinha que ela não fez a passagem. Vanessa disse ter visto o umbral, o ambiente em que vagueiam os espíritos considerados inferiores. Em sua casa, hoje, a crença é que ela não foi salva apenas com a ação medicamentosa. A força do sagrado também foi atuante, determinante - reconhecem.
Foto: Samuel Setubal FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 11-02-2025: Vanessa da Costa Lima, 45, mãe de santo desde os 19,. do candomblé, da umbanda e da quimbanda, além de ser rezadeira. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)
Em todo aquele tempo que esteve internada, entre UPAs e o Hospital São José, mãe Vanessa teve seu nome posto em mesas de cura, muitas delas realizadas inclusive dentro do HSJ. O pedido era feito diretamente com a presença incorporada de Nego Gerson, curandeiro consagrado, também Mestre Maximiano, Mestre Manoel de Almeida, algum preto velho de benquerença, com o cheiro de ervas, folhas, essências e pensamentos positivos.
Pai Alex de Tia Maria e três filhos de santo de Vanessa se reuniam, recebiam as entidades mediunicamente e pediam pela recuperação da paciente. As giras foram realizadas pelo menos duas ou três vezes por dia, do primeiro ao último dia da internação. Duas rezas aconteciam ainda em casa, antes e depois dos horários de visitação. E, no HSJ, eram ao lado do leito 73, enfermaria 120, unidade C.
"(As giras de cura) Foram nos 45 dias que ela ficou internada, todo santo dia", confirma Juliana Silva, 32, sua filha de santo mais antiga, que participou de vários daqueles ritos. Orações e perseverança. As rezas em leitos hospitalares costumam ser mais comuns com católicos e evangélicos. "Os outros quatro leitos da enfermaria eram de evangélicos", lembra Juliana. Há fotos de Vanessa internada, mas não dos ritos em seu direcionamento. Um prontuário confirma a internação e as enfermidades de Vanessa.
Os medicamentos seguem necessários, “são dez por dia”, mas Vanessa hoje conta a história como controlada. Depois do coma, ainda durou algum tempo num quadro de afasia. Não reagia, não reconhecia ninguém, não falava. Mas voltou, ficou dois anos longe do terreiro (à época funcionava no bairro Jardim Iracema). Ela guarda sequelas, como falhas de memória ou a dicção um pouco arrastada, mas entende o momento como superado.
Foto: Samuel Setubal FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 11-02-2025: Vanessa da Costa Lima, 45, mãe de santo desde os 19,. do candomblé, da umbanda e da quimbanda, além de ser rezadeira. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)
É cercada de seus filhos de santo (mais de 15) e de suas barreiras protetoras: fé e afeto. Está casada há seis anos com Régia. O Centro Espírita de Umbanda Rei Salomão (@ceu.reisalomao) fica na rua Rosinha Sampaio, 2.088, bairro Jardim Guanabara. É a casa delas. Mãe Vanessa atende presencialmente das 9 às 17 horas. Sempre precisa descansar, as cargas física e mística lhe consomem.
Quantas ruindades terá ouvido de tantos maldosos apenas por ser preta, pobre, “macumbeira”... Ela bem sabe. Não esquece, mas dá desimportância. “(A umbanda) é minha base. Eu gosto muito das minhas giras. Gosto de fazer o que faço. Não faço obrigada, faço porque gosto. Sempre fiz porque gosto”. Mãe Vanessa é abençoada, protegida por Oxossi, Nego Gérson, Sete Encruzilhadas, Maria Padilha e outras divindades. Pretende ir a mais um Carnaval em Camocim, neste ano e por muitos seguintes. “Adoro”.
Foto: Samuel Setubal FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 11-02-2025: Vanessa da Costa Lima, 45, mãe de santo desde os 19,. do candomblé, da umbanda e da quimbanda, além de ser rezadeira. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)
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