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Suemy não precisou de diploma para ser chef
Foto de Cláudio Ribeiro
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Jornalista formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Desde 1991, atua nas redações dos principais jornais cearenses. Trabalha no O POVO desde 1995. Passou pelas editorias Cidades (como repórter e editor), Ciência & Saúde (repórter), editor de Primeira Página, Núcleos de repórteres especiais e de Jornalismo Investigativo e Núcleo Datadoc, de jornalismo de dados. Hoje, é repórter especial de Cidades. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, incluindo nacionais e internacionais

Suemy não precisou de diploma para ser chef

O requinte na cozinha de Suemy Leitão é a simplicidade. E a capacidade de transformar outras histórias além da sua. A UFC a reconheceu pelo notório saber na gastronomia social. Exaurida, ela decidiu recomeçar
CHEF Suemy Leitão (Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA CHEF Suemy Leitão

Suemy Leitão tem 52 anos. Ela é a única cozinheira local que chegou ao patamar de uma chef de cozinha pelo notório saber reconhecido. Tem o único certificado concedido por uma instituição universitária cearense para quem nem sequer concluiu uma graduação. Não fechou nem ensino médio. Apenas por enquanto, digamos. Em outubro de 2023, a Universidade Federal do Ceará (UFC) reconheceu suas habilidades. O título tem o simbolismo de como ela graduada fosse. Não é só um papel que ela emplastificou. Ela quer conquistar o diploma do jeito convencional também. Voltou a estudar. Mas precisou parar para recomeçar.

Ela hoje é aluna do Encceja (Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos), o correspondente ao antigo Ensino Supletivo. Aulas à noite, já depois da jornada de trabalho, já depois da idade escolar regular. Não é fácil, nunca é tarde. Quer fazer a faculdade por quê? "Quero fazer faculdade para ensinar. Não quero para ficar na cozinha. Eu quero para ensinar. Professora de gastronomia. Eu amo a cozinha. Foi onde eu me identifiquei mais, passando meus conhecimentos para as pessoas". O pronome se destaca: Eu. Não é arrogante, é obstinada.

Certificado concedido pela UFC a Suemy Leitão, por seu notório saber na gastronomia social(Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Certificado concedido pela UFC a Suemy Leitão, por seu notório saber na gastronomia social

A cozinha de Suemy (@chefsuemyleitao) é transformadora. De si e de muitas outras. Quando foi contando a sua história - desde a infância em Limoeiro do Norte, a escalada autodidata tão alta quanto rápida, e até o momento atual, cuidando mais dela mesma do que dos ingredientes - pontuou temas diversos na conversa: saúde mental, preconceito, misoginia, coragem, oportunidade, etarismo, dependência financeira, família, medos. Falava sobre ela, do que consegue mudar, e muito das que conseguiu ajudar em aulas de culinária que passou a ministrar regularmente. Um curso sobre salgados ou de pães pode desfazer uma depressão.

"Muitas vão para o curso para não ficarem em casa. É tanto que no dia do encerramento, uma delas passou mal porque o curso ia acabar. A pressão dela começou a subir e ela falou: 'Eu tô triste e com ansiedade porque o curso vai acabar e vou ter que voltar para casa'". Foi recente. A aluna não estava só por querer empreender. Buscava se refazer. Outras que tentam se desgarrar do bolso do companheiro e ter o próprio ganho.

Menina de uns 10, 12 anos em sua Limoeiro do Norte, ela lembra de como gostava de homenagear a sua e as outras mães da rua que morava. Saia pela vizinhança, de casa em casa de conhecidas pedindo ingredientes: uma xícara de açúcar de uma, a sobra de manteiga ou margarina do pote de outra, ovos ou farinha de trigo de mais algumas. Era para os bolos que gostava de se divertir fazendo. De sabor e aroma de verdade. E todas gostavam, elogiavam, diziam que ela tinha jeito. A mãe às vezes reclamava, mas também apreciava os dotes da filha. Ali foi sua percepção sobre qual seria trajetória.

A jovem de 17 anos virou mãe. O que era divertido na infância virou fonte de renda para ajudar a cuidar dos três filhos, que vieram em intervalos de até dois anos entre um e outro. Vendia pratinhos, comidas caseiras. Tentou-se até na costura, mas a cozinheira predominava. Fortaleza já era a morada. E, numa tal pandemia de Covid-19, a partir de 2021, quando a mazela ainda era traumática mas permitia de nova as interações, passou a trabalhar no projeto de cozinha solidária no Bom Jardim. Era onde também residia. Foi a convite do padre Rino Bovini. Mudaria tudo de sua vida.

Suemy se destacou. Aprendeu fácil, agarrou-se às oportunidades e a bons orientadores. Citou vários chefs que foram seus faróis no mar revolto. Quando uma das chefs se desligou voluntariamente do restaurante Giardino, foi ela alçada ao posto. Foi acidental e merecido, ela sabe. Dedicava-se. Tinha dias, e foram muitos, de começar quatro da manhã e passar de meia-noite na lida. Fez eventos para 100, 200, até 800 pessoas ao mesmo tempo. Não é glamoroso, cansava também.

Suemy e alunos do curso de salgados comerciais, que ministrou em maio deste ano(Foto: ACERVO PESSOAL)
Foto: ACERVO PESSOAL Suemy e alunos do curso de salgados comerciais, que ministrou em maio deste ano

Sofreu preconceito. Por não ter o diploma, mesmo já sendo nomeada chef de restaurante, reconhecida e titulada. De um rapaz que fazia faculdade e não queria seguir as ordens de uma não diplomada. De outro que não queria cortar o peixe como determinado, que errava e não admitia.. De mais um, que era de outro Estado, e a destratou e quis pedir desculpas quando já era indesculpável. Chegou a se ver como a única chef e não ser obedecida por ser mulher. Nem teve tempo de chorar por isso.

Suemy decidiu recomeçar por não estar vendo o crescimento das duas netas e do neto. Por não estar na companhia dos filhos e do marido. Ele a apoiou no sonho dela, mas a família toda cobrava sua presença nos aniversários, nos encontros, nas mesas caseiras. De tanto que servia aos de fora, não conseguia se ver junto aos de casa. Estava sem vida própria. Parou!

Ela pediu o desligamento do restaurante em janeiro de 2025. Está desacelerando ainda. Quer saborear mais da própria vida. Tem ido à academia, acorda ainda cedo, mas aproveita mais. “Estou mais com meus netos. É uma outra vida”. Inquieta e desbravadora de sua sabedoria, quer se retomar, empreender. Tem feito bolos e salgados e está vendendo em casa. As fornadas acabam rápido. Vez em quando, atende a encomendas do próprio emprego anterior. Tem dado cursos, mas quer montar o espaço em casa para suas aulas. “Até o final do ano eu quero concluir esse projeto de dar aula pra comunidade”. É sábia demais.

 

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