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Paternidade atípica em um mundo típico
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Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis

Paternidade atípica em um mundo típico

Os desafios da convivência com pessoas no espectro autista e a necessidade de apoio também às famílias
Tipo Opinião
Transtorno do Espectro Autista (Foto: Arte Jansen Lucas)
Foto: Arte Jansen Lucas Transtorno do Espectro Autista

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É perceptível o aumento de diagnósticos de autismo nas últimas décadas.

Como se sabe, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição do neurodesenvolvimento que afeta a comunicação, interação social e o comportamento de uma pessoa, caracterizada por uma variada amplitude, englobando diferentes níveis de severidade e habilidades, sendo certo que cada pessoa no espectro do autismo é única, com suas próprias características, desafios e talentos.

Pessoas no espectro do autismo podem apresentar interesses e padrões de comportamento repetitivos, dificuldades motoras, na linguagem e na interação social, além de sensibilidades sensoriais. O acompanhamento adequado envolve uma abordagem multidisciplinar, incluindo terapia comportamental e ocupacional, fonoaudiologia e intervenções educacionais, todos visando reduzir comportamentos problemáticos e promover a independência funcional.

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Percebe-se, no entanto, que a realidade das famílias comuns muitas vezes é ofuscada pela importância e romantização dada às personalidades famosas ou a algumas habilidades especiais de memorização, percepção espacial ou hiper foco, como as estereotipadas em filmes e reportagens.

O que se apresenta fora das telas são clínicas particulares lotadas e com fila de espera para quem pode pagar acompanhamento especializado, fora as dificuldades e limitações impostas pelos planos de saúde.

O atendimento público geralmente não possui vagas e/ou profissionais capacitados, contando ainda com a demagogia de certas autoridades que se aproveitam do tema para proselitismo político e arrebanhar simpatias.

Pouca gente sabe que a rotina de uma família com pessoa autista de comprometimento grave inclui noites insones, vez que a maioria dos autistas possui problemas para dormir sem remédios e um amanhecer repleto de detalhes estressantes, como a seletividade alimentar e problemas gastrointestinais, aí incluindo intolerância a glúten, lactose, condimentos, corantes e frutas cítricas, além da necessidade de ingestão de vitaminas, medicamentos contra ansiedade e excessiva produção de saliva.

As manhãs são normalmente preenchidas com terapias ou atividades em casa relacionadas à análise comportamental, tudo com rotinas ritualísticas limitadas e com mínima margem de alteração, sob pena da pessoa autista se desorganizar e entrar em crise, que pode incluir autoflagelação.

No almoço, outra vez a seletividade alimentar se faz presente e novo ritual de qualidade do alimento, quantidade, cores e texturas tem que ser seguido à risca.

Enquanto outras crianças comumente passam as tardes em aulas de línguas e atividades físicas, o autista tenta vaga nas clínicas especializadas em busca de fisioterapeutas, fonoaudiólogas e demais profissionais da área.

Quem tem condições de ir de carro deve continuar seguindo rituais de horários, percurso e velocidade. Quem se vale de transporte público tem que se submeter à incompreensão diante de crises oriundas do barulho, do toque das pessoas, do calor, das vozes desconhecidas e até da textura dos tecidos que porventura entrem em contato com a pessoa autista. Isso tudo sem falar na desorganização ocasionada pela mudança de veículos e direções dentro do terminal.

As mesmas dificuldades de alimentação são reproduzidas no jantar e, após, os pais são mais uma vez tomados pela dúvida se conseguirão dormir ou acompanharão o autista durante a madrugada para, no dia seguinte, recomeçarem tudo outra vez.

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Fala-se muito em se fornecer um ambiente inclusivo e de apoio, tanto em casa quanto na escola, promovendo-se a conscientização e a educação sobre o autismo, mas quase nada se fala do apoio aos pais e familiares.

Faz-se mais que necessário o suporte material, logístico e emocional, além do compartilhamento de experiências e acesso à informação ser essencial para aqueles que verdadeiramente se abandonaram para serem agentes de transformação na vida de seus filhos autistas.

Quem sabe um dia a empatia, solidariedade e respeito sejam típicos de todos.

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