Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis
Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis
Aquele meu amigo que se considera um "machista normal" tem uma gata chamada Apolônia. Resgatada por Marcos, o filho adolescente que adora provocar o pai — a filhote vira-lata que apareceu miando de fome na garagem do prédio. No começo, ele torceu o nariz. "Gatos são falsos", dizia.
Mas o tempo passou, e Apolônia fez o que os gatos sabem fazer de melhor: conquistou seu espaço sem pedir licença. Hoje, ela domina a casa e, principalmente, o coração daquele que um dia já tentou se declarar "ogro".
— Dizem que os gatos desenvolvem a personalidade do dono — afiança. — Ela é igualzinha a mim. Não gosta de muita gente e adora ficar em casa.
— É igual a você mesmo. Só faz comer e dormir, isso sim — esclarece a esposa.
— Isso aí é ciúmes — rebate ele, ajeitando Apolônia no colo. — Fica assim porque a gata só quer saber de mim.
A excursão a Marrocos duraria dez dias. No quinto dia de viagem, Apolônia parou de comer ou beber. Arredia, procurava lugares reservados no apartamento para viver sua saudade. Chegaram a levá-la ao veterinário e fisicamente estava perfeita. Emocionalmente estava devastada.
— As pessoas pensam que os gatos são independentes e só gostam da casa. Esse engano é frequente — afirmou a veterinária. — Eles são muito mais sensíveis que parecem e sentem muito a falta dos humanos que eles consideram importantes.
Foi receitado um calmante e recomendado que colocassem camisas do Machista nos cantinhos em que ela se recolhia. Adiantou pouco. Ela se aninhava na camisa, ronronava um pouco, mas continuava sem se alimentar.
—Se ela não melhorar, teremos que interná-la — disse a veterinária após alguns dias. — Por incrível que pareça, ela pode literalmente morrer de saudade.
Ao saber disso nas tendas do Saara, em ligação onde Apolônia foi mostrada por vídeo, o Machista desmoronou. Com voz trêmula, tentou animá-la falando seus apelidos, explicando que não a abandonou e que voltaria logo, mas não adiantou nada.
A gata chegou até a olhar para a tela e mexer as orelhas em atenção, mas continuou aninhada na camisa dele, fingindo dormir a sua dor. Ele não conseguiu segurar as lágrimas.
—Não tem como adiantar o voo de volta — explicou o guia da excursão — Estamos em época de fim de ano, sabe como é.
Faltavam ainda cinco dias para o retorno. Diariamente, mesmo com o fuso horário, o Machista ligava para saber como ela estava. A colocavam na tela e ele revelava os brinquedinhos que comprara, falava dos cheiros dos mercados que ela acharia estranho, explicava que em países muçulmanos os animais de rua são tratados pela comunidade e que nunca viu nenhum magro ou doente.
Apática a maior parte do tempo das ligações, Apolônia chegou apenas a cheirar a tela, uma vez, como que tentando confirmar se aquele que aparecia com lágrimas nos olhos era realmente o seu grande amor.
Na madrugada em que finalmente desembarcamos no aeroporto, ele sequer esperou as malas. Pegou o primeiro táxi disponível, com o coração acelerado. Ele precisava vê-la.
Chegou em casa atabalhoado, errando a fechadura com as mãos trêmulas. Abriu a porta com cuidado, tentando conter o barulho, mas, antes que pudesse dar um passo, lá estava ela. Apolônia, frágil, com o pelo levemente opaco e os olhos ainda sem brilho, saiu da penumbra da sala, cambaleando.
Por um instante, ele se ajoelhou, imóvel. Ela parou também, como se precisasse ter certeza de que ele realmente estava ali.
— Eu voltei, Polinha. Tá tudo bem agora, meu amor. Tá tudo bem.
Ela deu o primeiro passo, um movimento tímido e hesitante, como se o tempo de separação ainda a impedisse de acreditar. Após alguns segundos cheirando o ar, Apolônia finalmente correu. Não com a energia de uma gata saudável, mas com uma urgência que só quem conhece a saudade entende.
Ela se jogou no colo dele, enroscando o corpo miúdo nos braços do dono. Ele a abraçou com cuidado, sentindo o calor dela contra o peito. E então, um som quase esquecido preencheu o ambiente: um ronronar fraco, mas cheio de alívio.
Naquela madrugada, ele se sentou no chão da sala, com Apolônia aninhada no peito, como se nenhum outro lugar no mundo existisse. Ela dormiu ali, pela primeira vez em dias, com o sono profundo de quem finalmente encontrou o que faltava.
— Dizem que salvamos os animais ao resgatá-los — ele murmurou, acariciando-a — Mas eu acho que, nesse caso, foi você que me salvou de mim mesmo.
Apolônia levantou os olhos, preguiçosa, mas satisfeita. Mexeu a ponta da cauda, como quem concorda. Porque o amor, aquele verdadeiro, não se mede em palavras nem em gestos grandiosos. Às vezes, ele se revela na ausência e mora na simplicidade de uma presença que nos devolve a vida.
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