Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis
Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis
Viajar ao Marrocos com um amigo do tipo que acha que sabe tudo é ter certeza de que os perrengues são inevitáveis e, quase sempre, o espetáculo principal.
Não bastava a viagem exótica em si, ele, um “machista normal” autoproclamado (e com orgulho!), tratou de fazer da nossa passagem de ano no Saara um espetáculo à parte, com direito a vexames internacionais, conversas hilárias e, claro, um fim digno de ser lembrado – ou esquecido, dependendo do ponto de vista.
— Como é que é? Fim de ano no Saara? Em tendas, tipo escoteiro? — perguntou, arregalando os olhos como quem descobre que embarcou num roteiro para Marte.
— Faz parte do pacote — expliquei.
— Eu devia ter ido na reunião de preparação. Não trouxe nada de praia.
— No deserto faz frio à noite, animal.
A caminho das tendas, a van fez uma parada estratégica para quem quisesse dar uma voltinha de camelo. Claro que meu amigo viu ali uma chance de demonstrar toda a sua "destreza cearense".
— Oxe, um cabra acostumado com vaquejada vai lá ter medo de camelo? — disse, inflado de confiança, enquanto tentava dar um cutucão no bicho com os calcanhares.
O beduíno, com a tranquilidade de quem já viu todo tipo de turista sem noção, deu-lhe uma varada rápida e certeira na perna, lançando-lhe um olhar de ferro por entre a fenda do turbante.
O que o amigo imaginava ser uma "cavalgada nas areias" digna de filmes épicos, não passou de uma voltinha empoeirada num campinho improvisado, com o camelo sendo puxado pelo proprietário como quem leva um cachorro preguiçoso para passear.
— Rapaz, pense num bicho fedorento — reclamou ao descer, mais derrotado do que um vaqueiro sem boi.
Chegamos, então, ao acampamento das "tendas beduínas". Ainda bem que não encontramos nada de peles de cabra ou camelo costuradas com fios robustos; eram quartos de lona estilizados para turistas, com camas confortáveis, água quente e até iluminação elétrica.
As únicas coisas que remetiam ao deserto eram os tapetes – aparentemente lavados pela última vez durante o dilúvio – e as fogueiras acesas entre as tendas, que prometiam um aquecimento duvidoso para a noite arenosa.
O amigo, sempre entusiasta do convívio social, tratou logo de se apresentar aos vizinhos americanos, franceses e italianos. Ele apontava para mim e para si mesmo, fazendo um gesto que parecia misto de explicação e desculpa.
— Noti cóple! Só Friende! — dizia, separando nossas existências como quem traça uma linha imaginária no chão, antecipando a divisão territorial da tenda com cama de casal.
Usamos o edredom como uma muralha no meio da cama de casal, porque, afinal, para um "machista normal", a honra deve ser guardada até nas areias mais longínquas do Saara.
A festa da virada começou cedo, com um jantar na tenda central. O amigo mergulhou de cabeça no banquete: comeu todas as entradas, misturou cuscuz marroquino com terrines, provou cogumelos com temperos inusitados, bebeu o que lhe ofereceram e ainda dançou ao som da música árabe, improvisando um trenzinho e convencendo os turistas a participarem.
Enquanto ele confraternizava de maneira efusiva, eu decidi ir logo para a nossa tenda. O frio da noite era cortante, e optei por dormir de roupa e tudo, protegido pela metade fortificada da cama.
No meio da noite, o frio e o silêncio do deserto me levaram a um sonho estranho: uma alma perdida clamava por Hugo, um sultão que minha imaginação inventou naquela noite gelada. Foram horas de suplício dessa alma esquecida naquele areal infinito.
Quando acordei, o sonho fez um sentido absurdo. Por volta das duas da manhã, todos os cogumelos, cuscuzes e danças resolveram conspirar contra o meu amigo. Ele passou a noite inteira vomitando e no trono de porcelana do banheiro.
— Trono por trono, posso dizer que tive o meu no Saara — explicou ele, ainda pálido.
— Mas, valeu. Vou ter história pra contar pros netos. Sou o único sultão que adubou o deserto.
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