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Sinais de ausência
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Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis

Sinais de ausência

O fato é que somos mais incompletos, imperfeitos, vulneráveis e delicados do que gostamos de imaginar e, quem sabe, seja toda essa fragilidade que tentamos disfarçar com excessos
Tipo Crônica
Sinais de ausência (Foto: Reprodução/Pexels/Pixabay)
Foto: Reprodução/Pexels/Pixabay Sinais de ausência

Um dia desses, alguém me disse que todo excesso é sinal de ausência. Fiquei pensando tanto no que consideramos excessos quanto no que entendemos como ausências. E, se é verdade que cada excesso revela uma ausência, será que para cada ausência a gente sempre encontra um excesso para compensar? Ou certas ausências criam lutos impossíveis de superar?

Pensar nessas coisas faz logo baixar o caboclo psicólogo, e a pomba-gira da psiquiatria já vem rodando suas sete saias de teorias. E olhe que os exus de Freud, Watson, Rogers, Piaget, Vygotsky e os erês da Gestalt e Neurociência adoram nos confundir. O fato é que, se nos olharmos mais de perto, logo perceberemos que, de vez em quando, exageramos em tudo.

O primeiro excesso se dá na necessidade de aceitação e validação. Aí é um tal de querer agradar todo mundo que não acaba nunca. Nos submetemos a tarefas que não são nossas, concordamos em bater metas delirantes e apresentar produtividade irreal; aceitamos papéis que não são compatíveis com nosso próprio jeito de ser e acabamos por vestir as fantasias e máscaras de outras pessoas. O pior é que, quando quisermos retirar os rótulos decorrentes, vai ser bem difícil.

O nível das expectativas criadas já está muito alto, e qualquer coisa menor do que o já conhecido será tida como desleixo, má vontade ou desamor. Dá para notar algumas variações desse tipo de exagero.

O exagero estético, por exemplo, já deixou muita gente com bico de pato no rosto. Os excessos de preenchimento labial, botox, ácidos, esticamentos e congêneres disputam espaço em salões, salas de aula, ambientes de trabalho, ruas e avenidas, com todo mundo calado, mas morrendo de vontade de fazer “bilu-bilu” nos lábios proeminentes.

Na busca do corpo perfeito, meninas e moças lindas, na exuberância de sua adolescência, ainda são excessivamente bombardeadas com exigências imaginárias de exibirem não mais apenas o corpo perfeito (leia-se, magro), mas também a pele, os dentes e os cabelos impecáveis.

Creio que nunca se comercializou tantos cosméticos como atualmente, e os salões de beleza parecem não vivenciar qualquer crise econômica. Isso sem falar na proliferação de academias. Estão cheias o tempo todo, e algumas são abertas 24 horas, enquanto as livrarias minguam e as bibliotecas públicas só servem para arquivar livros nunca lidos.

Isso acontece diariamente sem que ninguém diga nada, mas todos notem. Aliás, é melhor que ninguém diga nada mesmo. Até porque também vivemos um excesso de sensibilidades que nunca se viu antes.

Atualmente, qualquer crítica é tida como agressão, qualquer cobrança sobre o trabalho de alguém pode ser encarada como assédio, e uma discussão caseira pode ser interpretada como violência psicológica. Obviamente, não estou falando de ofensas, injúrias ou calúnias, e ter que esclarecer isso significa mais um reflexo do excesso que vivenciamos.

Mas, e as ausências?

Quem sabe vivenciamos ausência de carinho e atenção familiar. Daí, precisamos que alguém nos diga constantemente o quanto valemos e como somos importantes. Consequentemente, exageramos no trabalho.

Quem sabe tenhamos ausência de carinho e amor. Daí, precisamos que estranhos nos admirem e digam o quanto somos bonitos. Consequentemente, rios de dinheiro vão parar nos bolsos de esteticistas, cirurgiões plásticos e personal trainers.

Quem sabe nossos excessos de sensibilidade escondam ausências de proteção, e daí vivamos sempre alertas, como se tudo e todos fossem ameaças constantes.

O fato é que somos mais incompletos, imperfeitos, vulneráveis e delicados do que gostamos de imaginar e, quem sabe, seja toda essa fragilidade que tentamos disfarçar com excessos.

E entre excessos e ausências, seguimos nesse jogo de compensações, sem nunca ter certeza se estamos curando, disfarçando nossas próprias lacunas ou apenas observando os sinais.

Foto do Danilo Fontenelle

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