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Olhinhos puxadinhos
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Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis

Olhinhos puxadinhos

Nos olhinhos pequenininhos, agora habitava o silêncio. Aquele mesmo que ficava nos olhos dela, quando se despediu sem querer ir. O coração bateu forte
ParaTodosVerem: uma mulher idosa de cabelos brancos presos em um coque está sentada de costas em um batente de pedra. Ela veste um suéter laranja e observa o mar calmo à sua frente. O céu é azul, com poucas nuvens brancas ao fundo (Foto: ChatGPT)
Foto: ChatGPT ParaTodosVerem: uma mulher idosa de cabelos brancos presos em um coque está sentada de costas em um batente de pedra. Ela veste um suéter laranja e observa o mar calmo à sua frente. O céu é azul, com poucas nuvens brancas ao fundo

O café da manhã costumava ser um dos melhores momentos do dia. Era quando eles conversavam, riam, se olhavam demoradamente por cima das xícaras — como quem renova promessas de amor no meio das tarefas do dia.

Agora, tornou-se uma espécie de tortura compartilhada. Guta colocou uma florzinha na cadeira onde ela se sentava.

Clarinha, um desenho. Pedrinho, o carrinho preferido dele. Ele tentou comer. Mas a garganta fechou.
Eles perceberam. Percebem tudo. Não disseram nada. Uma passou a mão no cabelo dele. Outra segurou sua mão. Comeram em silêncio. Depois, Pedrinho o chamou para brincar.

Aquele olhar de três anos... olhos pequenininhos, meigos, puxadinhos... Tão parecidos com os dela. Montaram uma fazenda que criava carrinhos. Pedrinho era o dono, ele era o ajudante. Havia um trator e uma empilhadeira. O trator e a empilhadeira eram os pais dos carrinhos menores. E eram felizes. Até que, num momento de silêncio, Pedrinho disse:

— A empilhadeira ficou doente. Foi pra oficina.

Ele ficou na angústia de saber o que aconteceu depois. Mas Pedrinho mudou de assunto e iniciou uma corrida enlouquecida com dois carrinhos saltando de uma almofada para outra.

Eles aceleravam com raiva. Muita raiva. As meninas chegaram para brincar. Guta trouxe livros. Queria ler junto. Clarinha quis brincar de penteados.

Submeteu-se a pentes, elásticos, escovas e fivelas. Enquanto isso, lia para Guta apoiada em seu peito. E seu corpo virava pista de corrida para os carrinhos do irmão. De repente, percebeu que apenas sua voz era ouvida. As crianças estavam quietas. Mas não era atenção — era outra coisa.

Nos olhinhos pequenininhos, agora habitava o silêncio. Aquele mesmo que ficava nos olhos dela, quando se despediu sem querer ir. O coração bateu forte. A respiração acompanhou. A voz embargou. Eles perceberam. E o abraçaram. Não disseram nada. Só abraçaram.

E ele, num sussurro que ninguém ouviu, apenas pensou: “Jesus, como sou fraco sem ela”.

Foto do Danilo Fontenelle

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