
Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis
Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis
Naquela semana, tudo parecia estar funcionando. As meninas iam bem no colégio e mantinham o capricho e a dedicação de sempre. Pedrinho seguia escalando os móveis da sala como se fosse uma floresta, encantando as professoras com a energia de um pequeno furacão.
A rotina seguia firme: café, colégio, almoço, descanso, tarefas, brincadeiras, banho, tempo juntos, sono. Tudo aparentemente em ordem. Não fosse a ausência dos risos.
De vez em quando, havia um olhar perdido, um afastar silencioso, um retorno com os olhos vermelhos. Eles, os três. E ele também. Mas a rotina ajudava. Mantinham-se ocupados. Estavam sobrevivendo. Até o bilhete da escola chegar. Na semana seguinte, seria comemorado o Dia das Mães.
Foi ali que ele entendeu o que era fazer parte de uma minoria. Pais viúvos, de meia-idade, com filhos pequenos em idade escolar. Crianças que tinham perdido a mãe para uma doença cruel. Como ficam essas crianças nessas datas comemorativas?
Seus filhos não sabiam o que fazer. Por quase uma semana inteira, ficaram sem rumo nas atividades da sala. Enquanto os colegas cortavam cartolina, pintavam potinhos e escreviam bilhetes, os três eram excluídos da festa. Incluídos na dor.
Na véspera do dia, ele percebeu algo a mais nos olhares, ao entrarem no carro. Pegaram em sua mão sem dizer uma palavra. Entraram em silêncio. Não disputaram o lugar do meio com Pedrinho. Nem ele pareceu notar.
Durante o almoço, só monossílabos. Não quiseram sobremesa. O pequeno devorou as delas com alegria barulhenta.
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Desde que ela se foi, ele aprendeu a respeitar esses momentos. Não perguntava, não insistia. Apenas ficava. Disponível. Esperando uma fresta. Por menor que fosse. Uma brechinha nos corações. Surgiu quando perguntou pelas tarefas.
Foi assim que ele soube. Na classe da mais velha, os alunos deveriam escrever uma carta para a mãe. Na da mais nova, fazer um desenho com ela. O menorzinho devia fazer um arranjo de flores de papel.
As professoras os dispensaram.
Ele tentou manter a calma. Perguntou se as professoras falaram algo mais. A de Guta sugeriu que escrevesse para quem quisesse. A de Clarinha, que desenhasse a avó, mas só se quisesse. A de Pedrinho nem falou nada. Pelo menos que ele lembrasse.
O que o tirou do eixo não foi só o que disseram. Foi como elas disseram. Conheceu os efeitos por Guta, com a voz falhada e por Clarinha, com os olhos marejados. Pedrinho disfarçou esmagando um bonequinho, e declarou guerra contra alienígenas imaginários.
Guta, que nunca gritava, nem mesmo quando tinha medo do escuro, agora a voz falhava de dor. Clarinha, mais emotiva, falava entre lágrimas silenciosas. Pedrinho, o doce em pessoa, agora era pura raiva.
Isso doía ainda mais.
Ele os abraçou. Soluçaram juntos. A vontade foi voltar ao colégio e fazer um escândalo. Exigir desculpas. Chamar direção. Fazer barulho. Denunciar.
Resolveu fazer isso depois. Agora, precisava cuidar deles. Propôs algo diferente: todos escreveriam e desenhariam para ela. Fariam o melhor Dia das Mães de todos. Naquele primeiro Dia das Mães sem ela, ninguém foi para o colégio.
A casa era só ela. Ele espalhou fotos por todos os cômodos. Comprou balões, confetes, serpentina. Até uma faixa: "Parabéns à melhor mãe do mundo". Desenharam. Escreveram. Festejaram. Viram fotos e filmagens. O dia inteiro, ela. Mesmo sem ela.
(Trecho do livro A Árvore de Pedra, do autor. Continua semana que vem)
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