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Amor clandestino – por entre segredos e julgamentos
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Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis

Amor clandestino – por entre segredos e julgamentos

Vivemos os três um acordo misto de amor e conveniência. Ele, todo reservado. Ela, uma chama leve, impossível de ignorar. E eu… no meio desse amor compartilhado
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Amor clandestino – por entre segredos e julgamentos (Foto: Nils Jacobi | Shutterstock)
Foto: Nils Jacobi | Shutterstock Amor clandestino – por entre segredos e julgamentos

Uma das piores sensações é de fazer alguma coisa que todo mundo faz, na intimidade da sua casa, mas ser julgado, condenado e lançado no poço sem fundo do silêncio profundo da culpa. E a queda acontece nos rasgando pelos contornos pontiagudos do arrependimento, enquanto vemos o ofendido nos congelar com os olhos fixos e frios como lanças de vidro.

E meu acusador tem olhos atentos, ouvidos treinados e um dom especial para o drama. Um olhar e você se sente o pior ser humano da Terra. Não tem grito, não tem ataque. Só desprezo. E, francamente, é pior.

Vivemos os três um acordo misto de amor e conveniência. Ele, todo reservado. Ela, uma chama leve, impossível de ignorar. E eu… no meio desse amor compartilhado. Amo os dois, e acredito ser recíproco, afastados dos julgamentos sociais.

Era pra ser uma relação de prazer e cumplicidade, mas vivo por entre um amor vigiado, por entre subterfúgios sem sentido. Com regras, horários, limites. Afeto, só com planejamento. Carinho? Apenas na surdina. E não pense que é por pudor, não. É por medo mesmo.

Ela até já se acostumou com essa vida de clandestinidade. Escolhe as sombras. Aprende a se contentar com migalhas: um carinho rápido na cozinha, algo sussurrado atrás da porta do banheiro, um afago escondido entre uma dobra de cobertor.

Mas hoje… hoje eu fraquejei. Ela me olhou daquele jeito. Sabe como é. Aqueles olhinhos semicerrados, a carinha de safada, como quem diz: “só um pouquinho, vai… ninguém precisa saber”. E eu… eu cedi.

Comecei devagar, claro. Um carinho leve, quase platônico, só atrás da orelha. Ela fechou os olhos, fez aquele som abafado, meio suspiro, meio motorzinho de prazer. Eu olhei para os lados. Nada dele. Estávamos a sós.

Fui um pouco além. Desci a mão pelas costas. Ela arqueou. Olhou por cima dos ombros, como se dissesse “só mais um pouquinho, vai…”.

Foi aí que senti. A presença. Não ouvi passos. Não houve som algum. Apenas a sensação súbita de ser observado. Virei o rosto devagar… e lá estava ele. Parado na porta. Estático. Pupilas dilatadas. Bigodes trêmulos. Lee. Nos encarando como quem flagra um beijo proibido. Mais uma vez, fomos descobertos.

E foi assim, com o coração acelerado, as mãos suadas e o único rabo realmente entre as pernas — o da Bella, minha filhote, claro — que encerramos mais uma sessão de carinho proibido. Lee entrou na sala com aquela cara de “me traíram de novo”. Não disse nada — nunca diz.

Só se virou lentamente, como quem carrega o peso de uma decepção antiga, e subiu na estante. Como quem sobe ao palco para morrer dramaticamente. De lá, nos olhou de cima. Julgando. Ferido.

Eu fiquei ali, com a mão estendida no ar, o coração apertado e a alma suja. Desculpa, Lee. Eu juro que foi só um cafuné. E assim começou mais um ciclo de redenção: sachê, petiscos, na tentativa desesperada de reconquistar o coração ferido do Lee — o gato mais ciumento do mundo.

Foto do Danilo Fontenelle

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