Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis
Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis
Dizem que, quando a gente vai ficando mais velho, aparece um monte de manias. E manias de todo tipo, desde guardar uma fidelidade sem motivo a marcas de pastas de dente e sabonetes até acordar cedo nos dias de supermercado para estacionar na mesma vaga assim que o estacionamento abrir.
— Qual o problema? Aquela vaga é a minha cara. É praticamente uma extensão de mim, meu quadrado mágico semanal que ninguém tasca — justifica uma amiga que ainda usa esse verbo.
E a maioria das pessoas nem imagina que estacionou ao lado de uma doid... digo, dama excêntrica de vaga cativa.
Tem umas manias mais requintadas, como só se sentar na mesma mesa no mesmo restaurante que frequenta aos sábados. A comida nem é essas coisas todas, nem os preços são mais baratos, mas nos sentimos bem na confirmação do ritual semanal.
A explicação para isso? Sei lá. Talvez algum sentimento de segurança maior ou simplesmente por gostar das almofadas.
Tem gente que, com a idade, vai compreendendo mais as antigas feiticeiras que se recolhiam no interior isolado da floresta e amaldiçoavam quem ousasse se aproximar ou perturbar seu sossego. Tem até os que cogitam evitar os espelhos.
— Se perturbarem muito, interfono anonimamente para todos no condomínio e largo uma risada de bruxa — ameaça uma reclusa por opção.
Outros confessam invejarem o Drácula. Nada como ter posses e um certo charme, morar em castelo distante, dormir o dia inteiro e, quando algum aldeão o perturbar, poder se transformar em mil morcegos e sair voando. Isso fora os enxerimentos com moçoilas de pescoços longos.
— Aqui em casa, se alguém vier, só pode ser por engano — convence-se um ermitão moderno.
— Até comprei uma capa para usar quando alguém tocar no portão — diz rindo e forçando os caninos para fora.
— Quero ser conhecido na vizinhança como “O quiróptero do Benfica” — planeja.
Um conhecido optou por uma vida machadiana, adaptando o Cosme Velho ao seu próprio apartamento cheio de livros.
— E tem melhor companhia? — indaga, se balançando na rede da varanda, folheando um dos livros que dormem no chão.
Ele diz se sentir satisfeito quando, em uma vingança literária adaptada, deixa sua nutricionista como Bentinho. Ela nunca vai saber ao certo o que ele andou fazendo nas vizinhanças de padarias e bares.
No começo do ano, prometeu emagrecer dez quilos. Estamos em dezembro e agora faltam vinte e dois, diz sem desfaçatez alguma, lançando um olhar de ressaca.
Tem uns que ficam com mania de atrevidos e tudo se resume a pequenos desaforos, até mesmo com gentilezas de atendentes e caixas.
— Velhinho é a “@!%$”. Vou ficar nessa fila mesmo — provoca um conhecido. — Faço só por brincadeira — justifica, por entre risos delinquentes.
Não conhecer novas pessoas também faz parte de algumas manias.
— Já conheço muita gente — justifica um amigo.
— Estou querendo agora é desconhecer. A gente bem que poderia ter uma espécie de GPS que apitasse sempre que alguém conhecido se aproximasse. Dava tempo da gente desviar, se esconder atrás de um poste, atravessar a rua ou ensaiar demência total — acrescenta com os olhos de eureca.
E o melhor dessas manias todas? É que ninguém tem coragem de questionar. Você ganha um passe livre. O velho faz o que quer. Anda de meia com sandália, fala sozinho no supermercado, toma sopa no café da manhã. Se alguém estranha, ele só responde:
— Mania de velho.
E pronto. Argumento encerrado. Talvez seja um estágio evoluído de sabedoria. Os jovens buscam autenticidade no Instagram, os velhos só querem se sentar na mesma mesa e comer a mesma comida.
Quem é que tá perdendo mesmo?
Talvez as manias não nasçam com a idade. Talvez apenas voltem. A gente vai ficando velho e vai reaparecendo aquela criança estranha, que dormia com o mesmo travesseiro, queria que tudo fosse amarelo e fingia estar doente só pra não ir ao aniversário de um colega.
A diferença é que, agora, ninguém pode mandar a gente sair do quarto. A floresta é nossa. E se alguém insistir em tocar a campainha, que se prepare: pode levar uma maçã na testa, ao tempo em que ouvirá uma gargalhada de bruxa.
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