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O general que me ama
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

O general que me ama

Um general do Ceará chorou copiosamente durante o depoimento de Eduardo Pazuello à CPI da Covid. Uma exposição ao ridículo da patente e o reconhecimento tardio de quanto Bolsonaro expõe negativamente o Exército
Tipo Crônica
2305demitri (Foto: 2305demitri)
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Ia escrever, hoje, sobre um general antigo que me ama. Sobre o copioso choro dele depois de se sentir apunhalado com o depoimento do desonroso general Pazuello à CPI da Covid-19 e a decepção do ridículo à imagem de oficiais sérios.

Como chorou, ao telefone, o general que me conversa! Num estalo de desengano, depois de anos de terapia, descobriu que boa parte de seu drama existencial está fundeada na certeza (enganosa) de que o masculino sempre lhe bastou.

Daí a opção, meio que por influência de uma família machista e fálica, de ingressar no Exército e acreditar que ali não floresceriam pulhas. De ter escolhido viver mais tempo em alcateias de machos e nunca admitir pensar também com o feminino.

Não é que nas Forças Armadas faltem homens e mulheres que se cingem pelo feminino, são aos montes. E antes que os intolerantes desembestem, não estou falando da genitália, do falo ou da arma posta à mesa para se resolver tudo. É outra história. Sugiro que leiam Riobaldo e Diadorim para desencalacrarem.

Pazuello já tinha sido pauta de conversas entre o general, meu amigo, e o psicólogo dele. O oficial me confidenciou que, por vezes, pediu socorro para acolher a farsa como manifestação humanamente possível.

 

Engolir um general sendo responsabilizado pelas mortes em Manaus? Ter parte da culpa pela falta de oxigênio? Usar criminosamente um povo de cobaia para tratamento precoce sem eficácia?  

 

Para ele, não. A mentira nunca esteve em sua cartilha, ainda que coubesse em alguma ocasião. Meu companheiro general é daqueles que se denunciava quando errava. Mesmo besta, sem intenção de prejudicar alguém, responderia pela falta cometida.

Na caserna, era desses da fivela brilhando no Brasso, coturnos espelhando o céu, barba sem um canhão e cumpridor intransigente do Regulamento Disciplinar do Exército. Diria, sempre foi uma espécie de inspetor Javert, o personagem de Victor Hugo, em Os Miseráveis.

Retilíneo, legalista, justo sem querer nada de ninguém e jamais violar a administração pública. Vale o que está na legislação. Direito é direito e, para ele, só quem o revisa é o legislador em discussão com o coletivo.

E, semelhante a Javert, teve vontade de se jogar no rio Sena com um pé amarrado a uma bala de canhão para não se ferir mais com o depoimento de Pazuello.

Não é porque descobriu um Jean Valjean em Pazuello. Não, não. Se sentiu ali, assistindo a inquisição do colega, um traidor de si mesmo. Votou em Bolsonaro e viu o quanto o ex-tenente reformado é danoso para o Exército e, particularmente, para os generais.

Engolir um general sendo responsabilizado pelas mortes em Manaus? Ter parte da culpa pela falta de oxigênio? Usar criminosamente um povo de cobaia para tratamento precoce sem eficácia? Não ter sido general na hora crucial de exigir a compra de vacinas?

Cada estocada pela Tv foi mesmo que ser no meu amigo general e no Exército onde foi formatado. E tudo por causa de uma obediência acrítica de Pazuello a vozes de comando burlescas de Bolsonaro.

 

E, semelhante a Javert, teve vontade de se jogar no rio Sena com um pé amarrado a uma bala de canhão para não se ferir mais com o depoimento de Pazuello


Pazuello, general de logística, fez doer no velho soldado cada juramento feito quando o meu amigo se formou na infantaria. Militar feito para a linha de frente, mas estratégico em situações esgaçadas.

Chorou! Como chorou o meu amigo general com as vexações do outro general. "Pazuello", soluçava o general do Ceará, "jamais deveria ter aceitado ser o ministro de uma missão que não lhe cabia nem ser pau mandado de um vaso".

 

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