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Fabíola Veras e o imponderável
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

Fabíola Veras e o imponderável

A crônica hoje é doída. Para Fabíola Veras, a bailarina de 21 anos, e sua mãe Roberta. É uma pena que um texto não ressuscite um bem-querer
1605demitri (Foto: 1605demitri)
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Coração de mãe não era para ser desmatado nunca. Dentro dele sempre violetas novas e colibris. E como sou filho de mãe, absurdamente mais do que de pai, por mim nunca a deixaria num chão de giz descida na solidão.

Sim, é a prece escrota do Zé Ramalho cantada por ele ou por Elba (apesar de bolsonarista) que me chega ao choro destampado querendo tornar linear a compreensão sobre vida e morte e sopro de Fabíola. Nem a conhecia.

Pode ser, sim, que eu esteja sensível, derramando pelo do ladrão com esses malditos dias adoecidos que vão nos arrancando, machucando, nos conformando.

Urgente ou a gente se desvencilha dessa droga de sentimento ou o aproveita para reagir contra mortes sem vacinas e homicídios mofados na violência urbana, antiga pandemia sem trégua.

Cada drama particular também é coletivo. O problema é a cegueira do se acostumar. Só nos tocamos quando a ventania derruba a nossa porta, quando uma chacina nos encontra na calçada ou a morte vem sem fôlego e sem duas doses de imunizantes negados.

O assassinato de Fabíola Veras e mais de 12 por dia, no governo Camilo, se perdem em meio à gritaria dos quase 450 mil mortos pela Covid num País desgovernado por um desqualificado. Um adorador de óbitos.

Não entendo, não, a dor de Roberta - mãe de Fabíola. Era muita pretensão minha dizer que sofro do mesmo doído dela por ter perdido a filha parida há 20 e poucos anos?

 

Queria um texto para afagar dona Roberta, reflorestar seu coração e aparecerem beija-flores, borboletas e rios. Fazer se sentir mais forte para ir indo. Mas meio que me desnorteei com a história contada por Tarcísio Matos

 

Não rasguei o ventre nem vi o amado amor ir-se embora num dia chuvoso de um maio numa marmitaria? Assaltantes, covardes, e um tiro sem necessidade (nenhum tiro tem razão de ser) na moça que reagiu num impulso. A gente vai se transformando em coisas, deixando de ser gente.

Fabíola Veras ou Fá, a bailarina de Rossana Pucci, havia também perdido o pai num latrocínio e sua história de criança foi de livramentos da Dona Morte. Se é que existem esses dribles quando não é a hora.

A moça quando perdeu a vida, na última terça-feira, no Quintino Cunha, chegou apenas aos 21 anos de existência. Quase nada de gozo.

Imaginou? Aos 21 anos? Segundo minhas memórias boas e ruins, eu estava numa encruzilhada com mil possibilidades. Sair da polícia onde não era feliz? Voltar para o curso de jornalismo, o teatro, a vontade de ser um bocado de coisas ao mesmo tempo?

Fabíola Andreza Veras Batista é considerada uma garota superpoderosa no Hospital Albert Sabin, no anexo bem cuidado pela Peter Pan. Foi criança ali, viveu parte da vida disputada com um câncer leucêmico e derrotou o quimérico.

Ela mesmo disse, pequenina, à mãe que não iria morrer na enfermaria onde cinco crianças de seu tempo partiram ainda na infância. O mistério de quem fica e de quem vai.

É o imponderável, empaquei na palavra. Por que sangrar o amor assim de Fabíola e sua mãe? De Fabíola e uma vida escapada até da Covid e, depois, terminada num assalto a mão armada?

 

Fabíola Andreza Veras Batista é considerada uma garota superpoderosa no Hospital Albert Sabin, no anexo bem cuidado pela Peter Pan. Foi criança ali, viveu parte de sua vida disputado com um câncer leucêmico e derrotou o quimérico

 

Queria um texto para afagar dona Roberta, reflorestar seu coração e aparecerem beija-flores, borboletas e rios. Fazer se sentir mais forte para ir indo. Mas meio que me desnorteei com a história contada por Tarcísio Matos. Não consegui fazer o texto, TMatos. Perdão.

É, talvez, incomensurável, incalculável, indeterminada, imprevisível... imponderável a morte antes de ser o tempo... Por mais que não tenha essa escritura de contrato com a permanência de cada ser vivo por aqui nem noutras vidas além do corpo. A gente se apega, não tem jeito.

E se a senhora continuar "a chorar (por Fabíola) e o sal molhar o seu sorriso"... A gente compreenderá e a abraçará.

 

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