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A anti(rosa) atômica
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

A anti(rosa) atômica

Aos 73 anos, Rosa da Fonseca merece crônicas e abraços. Pois devo a ela vários olhares possíveis sobre o feminismo e uma mulher que não desiste. E se desistir, não há problema
Tipo Crônica
2404demitri (Foto: carlus campos)
Foto: carlus campos 2404demitri

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Como é que eu posso explicar, pra quem não sente um amor diferente, qual o sentimento que se tem por Rosa da Fonseca. Essa criatura meio Diadorim que aos 73 anos mantém a honestidade de um rio.

Pode não ter coerência o texto que a ofereço, mas estou querendo declarar algum amor por Rosa. Nem nunca nos beijamos nem nunca fomos Riobaldo e Rosa no sentido de alguma tenência íntima.

Não, não. Rosa poderia ser minha mãe, minha irmã mais velha. A tia de quem eu prazesse tanto e a incumbisse da mais imperfeita e a melhor para o apego de abraços. Feito minha tia Auxiliadora, que a natureza já a transformou.

 

Nem sei se tinha idade e título, mas lembro de uma alegria de ter alguém na câmara dos machos contra a bomba de Hiroshima

 

Essa vida é apenas um apressado e um esperamento, demoramento também. Sempre amanhecendo no sentido de que amanhã será outro dia melhor do que há mais de 500 anos (bárbaros) e hoje. Não só pra Rosa, ela nunca foi sovina, mas pra toda criatura lambente. A Rosa dos coletivos.

Por isso, talvez, tenha dado meu primeiro voto e a feito vereadora. Nem sei se tinha idade e título, mas lembro de uma alegria de ter alguém na câmara dos machos contra a bomba de Hiroshima. A Rosa das rosas, a antirrosa atômica.

E, depois, mais feliz ainda porque não quis mais ser vereadora como meio de vida e trampolim. Não comprou uma Hilux, não viajou para Paris com dinheiro público e voltou às ruas porque se sentia um bicho mais político ainda. Não desistiu, transformou-se sempre.

 

Nunca deixaremos de ter o desejo, a necessidade e a vontade de beber uma Coca-Cola com o sol na testa e arrotá-la no protesto 

 

Pois bem, aprendi com Rosa que o persistir não é uma toleima nem uma birra contra um sistema viciado nele mesmo em ser injusto e narcisista.

É o fetiche, Demitri! O fetiche do capital contra o ser vivo. Repetia-me nos encontros. Mas como sair dele se estamos até o tronco, talo e tudo enfiados? Impossível.

Nunca deixaremos de ter o desejo, a necessidade e a vontade de beber uma Coca-Cola com o sol na testa e arrotá-la no protesto. Rosa toma Coca-Cola e veste roupa de brechó, raro vai ao Iguatemi.

 

Mesmo por castanholeiras invasoras, puxou um acampamento e ensinou algo sobre não parir viadutos. Coisa menos importante de quem habita as árvores

 

Sandália, calça, blusinha de militância. Rosa para mim é inquietação, foi mais Cocó do que muita gente verde.

Mesmo por castanholeiras invasoras, puxou um acampamento e ensinou algo sobre não parir viadutos. Coisa menos importante de quem habita as árvores. Um invisível na cara. Um grilo é mais importante do que o dinheiro dos babaquaras.

Rosa, recebi uma ligação do Jorge Paiva - seu cavaleiro (e de Maria) dos cataventos de Quixadá e dos mundos. Preocupado, em redemoinhos de apelos. Rosa está entristecida, desistente por causa de uma ferida na alma.

 

Tem uma hora também que não se aguenta mais o que for. E temos, ela tem também, o direito ao luto e à melancolia do próprio corpo. De não ser Fortaleza 24 horas

 

A Rosa? A valente de tantas guerrilhas? Das torturas e do tranco até aqui? Das histórias que vi e ouvi até na Bolsa de Nova Iorque? Nem acredito, mas é possível com qualquer sensível.

Tem uma hora também que não se aguenta mais o que for. E temos, ela tem também, o direito ao luto e à melancolia do próprio corpo. De não ser Fortaleza 24 horas, mesmo que lhe batam à porta para encarar mais um piquete ou tomar a benção.

Na Terceira Margem do Rio quem perde a vida não é o homem que foi se envelhecendo na jangada, sozinho. O filho quando deu conta não era mais criança, já tinha começado a botar branco por causa da espera. Rosa não é nem um nem outro.

Creio, está se reelaborando pra voltar mais Rosa, volta já já. Vai vir. E nós a abraçaremos com as asas de todos os pássaros.

Feliz aniversário, Rosa da Fonseca.

 

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