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O gosto irresistível que os corpos têm
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

O gosto irresistível que os corpos têm

Deu no Instagram do O POVO e foi um alvoroço. Alguém filma três pessoas transando numa madrugada, na Praia de Iracema. A melhor fofoca da semana
Tipo Crônica
1202demitri (Foto: carlus campos)
Foto: carlus campos 1202demitri

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Um amigo escreveu-me nalguma parede virtual: "Fui flagrado em um dos espigões da Praia de Iracema. Infelizmente, sozinho. Sem tá fazendo sexo. Sem estarem em mim ou eu em alguém. Ou tudo misturado".

Respondi-o com um verso que gosto e vivo a transgredi-lo. "Às éguas do carro do faraó te comparo, ó querido meu. O meu amado é para mim um saquitel de mirra, posto entre os meus seios".

E fomos assim, com mais versos a invejar as três pessoas (não importa a genitália) que se lambiam, se entravam e se esfregavam na maresia duma madrugada na Praia de Iracema. Segunda ou terça-feira da última semana, não importa.

"Sim, a melhor notícia de mais um começo de semana chato. De histórias doídas sobre mais de 22 mil mortos entre a Turquia e a Síria"

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Importava a felícia volátil, daqueles instantes, e os três humanos se devorando no gosto irresistível que os corpos têm na hora bem-aventurada e sacana lascívia.

Sim, a melhor notícia de mais um começo de semana chato. De histórias doídas sobre mais de 22 mil mortos entre a Turquia e a Síria por causa do mundo se acabando para muita gente.

Imagine, em meio a um noticiário modorrento do pós-treva bolsonarista e ainda a lenga lenga das atrocidades em Brasília, entre os yanomamis, aqui mesmo no Ceará e entre as hordas de famintos dormindo em frente à faculdade de Direito da UFC.

"Viramos, nós a imprensa (não há exceção), também operários do deus YouTube e outras "imprescindíveis" bestas feras "

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Foi bom ver a transa dos três corpos, nus pelados, vazando de um banquinho malcuidado pela Prefeitura, no espigão. Bocas, mãos, coxas, felação em uma coisa obelisca, por trás, na frente, enroscados feitos jiboias...

"O nosso leito é de viçosas folhas, as traves da nossa casa são de cedro, e os seus caibros de cipreste". E foi assim, os sites caçando "likes" com a putaria pública e alheia (gostosa) dos três seres iracêmicos.

Viramos, nós a imprensa (não há exceção), também operários do deus YouTube e outras "imprescindíveis" bestas feras digitais hipócritas. Sempre na espreita para colher "dedinhos pra cima". Likes, likes, likes. "Dá um like", pelo amor do Google.

"Mais uma semana chata e, de repente, a trepada dos outros surge para bombar a noite e os comentários no Insta "

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Parecemos uma alcateia de interesseiros Mutteys. Ele mesmo, aquele cachorrinho do desenho animado da Hanna-Barbera, parceiro do Dick Vigarista. Ele vivia (vive ainda) atrás de medalhas, os "likes" das antigas.

Mais uma semana chata na vida da gente e, de repente, a trepada dos outros surge para bombar a noite e os comentários no Insta e o Direct pegando fogo. E a gente adorando fofocar sobre as intimidades dos três mareados de Iracema.

Vi as imagens algumas vezes e adorei recebê-las ou ser acionado para saber onde estavam. "Minino! Mas não mostra quase nada!!! Paia!!!". "Cadê as fotos? Manda, manda. Dizem que o do meio é uma travesti". E por aí foi e foi suando.

"Achei até que era um trio interessado em ser filmado para viralizar, chegar ao embusteiro BBB e transar em rede nacional"

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Fiquei chateado, apenas, quando veio a possibilidade de crime na cena real do nosso "O império dos sentidos" iracêmico. Um anticlímax fuderoso. Nas minhas fantasias de voyeur, ali era tudo consensual. Uma ação entre desejantes. E daí?

Achei até que era um trio interessado em ser filmado para viralizar, chegar ao embusteiro BBB e transar em rede nacional. Ou, no mínimo, uma vaguinha na canelau A Fazenda. E, talvez, ganhar dinheiro num Onlyfans.

Ou não. Saíram os três à noite, beberam todas, se desejaram e, quando a madrugada chegou, e só havia o mar de Iracema, resolveram se dar um ao outro sem frescuras. Tive inveja. Poderia estar ali, não fosse minha feiura e timidez mentirosa.

"Se crime houver, sem perdão, é "vigiar e punir". Sem discussão. É assim mesmo, carecemos dos extremos"

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Tomara que tenha sido consensual, sem história de estupro de vulnerável. Sem escrotidão de dopar em vez de paquerar e, na boa, quando a vontade não aguentar mais, rasgar as roupas e transar.

Se crime houver, sem perdão, é "vigiar e punir". Sem discussão. É assim mesmo, carecemos dos extremos. Ou sexo em via pública (pudor e outros moralismos) ou polícia pra empatar a foda.

Só mais uma coisinha. Era madrugada, não havia crianças na sala nem necessidade de mediação de engasgos bestas. A Praia de Iracema estava vazia, friinha, romântica, fedendo a peixe.

"Suave é o aroma do teu unguento, como unguento derramado é o teu nome em mim"

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Foi uma contravenção penal? É. Mas quem nunca foi personagem de uma sacanagem tremida nas pernas em via pública ou onde "era proibido gozar"?

"Beije-me com beijos de tua boca, porque melhor é o teu corpo do que o vinho".

Por fim, despeço-me, despido em Iracema (porque faz calor), com os versos sacanas e belos do "Cântico dos cânticos", do contraventor Salomão (machista e santarrão). "Enquanto o rei está sentado à sua mesa, o meu nardo exala o seu perfume. Suave é o aroma do teu unguento, como unguento derramado é o teu nome em mim".

 

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