Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.
Vamos assim. Em vez de divulgar a lista dos mortos de mais uma chacina no Ceará, Viçosa amargou a mais recente, vou escrever aqui - com toda satisfação - o nome dos jovens autores do livro de quadrinhos "Mah!". Uma antologia esperançosa de garotas e moços que entram e saem pelas portas do Cuca do Pici e do Mondubim.
O Cuca, pra mim, é a melhor política pública de permanência criada para acolher meninas e meninos de bairros marcados pela mancha dos homicídios e pela vulnerabilidade social insistente em Fortaleza.
Aly, 28deLuca, Anjizu, Aspargos, Dante, Deleon Stu, Enale Airam, Guto Rafael, Iam Costa, Íatlo Gomes, Jo Penha, Johta, Kamello, Lara Giovana, Mand, Tamille Teles, Mateus Cafal, Mayanderson, Pâmela Castro, Paulo Carter, Pedro Damasceno, Rayane Araújo, Rebeca Jessica, Samuel Erin, Sérgio Braga e Wagner Ricardo.
São crônicas de um cotidiano simbólico, real ou recriado pelo olhar de mulheres e homens
Tenho o orgulho de registrar em um jornal os nomes dos autores das 30 histórias roteirizadas em quadrinhos e transformadas num livro bonito e, provavelmente, uma inesquecível possibilidade para cada um dos quadrinistas.
São crônicas de um cotidiano simbólico, real ou recriado pelo olhar de mulheres e homens em suas construções, perspectivas pessoais e as trocas com a existência deles e do entorno do criativo.
Um dia, um adolescente viajante resolveu parar em Fracto. Uma cidadezinha estranha, onde o medo de comer além de ração empanca a vida dos habitantes. É o induzimento contra o experimentar e se deslocar para além do senso comum. É a história do corpo criador de 28deLuca ou "Migalhas".
Que conversa besta! A solução "é polícia e vagabundo enterrado em pé para caber mais"
A coincidência é que no dia em que eu escrevi esta crônica, ou a não-crônica, tinha lido uma matéria com o título "A comida saudável é reservada aos ricos. Aos pobres, fome ou ultraprocessados" (@outraspalavrasbr). Apenas o acaso que rege o universo da vida e das flores raríssimas e banalíssimas. Uma divagação.
Alguém poderá estar pensando sobre este cronista abestado, escrevendo sobre uma antologia de quadrinho e o enfrentamento ou convivência (por que não?) com as facções. Que conversa besta! A solução "é polícia e vagabundo enterrado em pé para caber mais"... Dirão os limitados.
Pois é, depois de anos de reportagem, trocentas matérias e uma série documental sobre o território sangrento do assassinato, do pavor alheio, do bairro dominado pela falta de perspectiva oferecida pelo Estado e um mercado financeiro escroto, vê-se que mesmo o Exército perderá também a "guerra" se empregado contra faccionados. Já perdeu no Rio e foi mortal também.
É de se estranhar, um governador supostamente comprometido com justiça social não copiar a experiência Cuca
Infelizmente, já padecemos de governos demais. Tenho desconfiança que o crime teria se constrangido diante de uma enxurrada de "Mah!". Uma metáfora para dizer que em vez de cinco ou seis Cucas, Fortaleza e o Ceará deveriam estar "entupidos" de Cucas.
Para onde um menino e uma menina se virasse, um Cuca acompanharia a sombra dela ou dele. Um Cuca... mais atraente que um revólver, uma pistola, um machista coçando o saco, pagando de mal e decretando brutalmente o dormir e acordar dos outros.
É de se estranhar, um governador supostamente comprometido com justiça social não copiar a experiência Cuca de Luizianne Lins. Não quero personalizar. Quem está prefeito, governador, vereador, deputado, senador, presidente não carece de elogios. Ninguém está ali, na engrenagem pública, à força. É obrigação fazer.
Se eu fosse o Lula, criaria as universidades federais das favelas e das ocupações
A experiência Cuca vai lá e proporciona a Anjizu que reinvente a paixão em "Caidinha". Vai lá, numa rua do Pici ou numa quebrada do Mondubim e diz a Aly que a "rejeição" não é uma regra e ele tem de ser incluído.
Se eu fosse o Lula, criaria as universidades federais das favelas e das ocupações. Partiria dos Cucas e das escolas públicas que deram certo nos territórios aterrorizados e constrangeria o crime a se mudar até não ter mais para onde ir.
É um devaneio e, provavelmente, não estarei vivo para experimentar reportar sobre isso. Mas é um prazer ler a possibilidade de violência transformada em arte. "Gigi", de Ítalo Gomes, me inquieta e me apresenta outro real possível. É olhá-lo.
Em "A budega de momentos inesquecíveis", de Johta, o fauno ou o Bode Ioiô é um achado para a narrativa de traço bem-marcado... Há uma diversidade de crônicas e cronistas em Mah! É um alento contra o medo
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