Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.
Fico abestalhado olhando o nascimento de tartaruguinhas na Praia do Futuro. Tão alucinado que tenho vontade de me arrastar com elas até o mar. Claro, não pode. Mas tem o corpo querendo me insurgir de feliz. No máximo, apenas me contentar em ajudá-las até ganharem o rumo do Atlântico.
Uma amiga jornalista, a Wânia Caldas, postou na última sexta-feira o aperreio bem-aventurado de dezenas de tartarugas filhotes numa procissão para o mar. Minto. Ela primeiro pôs o vídeo de uma espilicute que saiu na frente e não parou até se entregar às longarinas.
Uma entrega tão invejante que imaginei meu corpo estressado da semana sendo flutuado mar a dentro, corsário, garrafa e bilhete pra alguém nunca me resgatar.
Nas minhas alucinações as longarinas são um desmedido vestido e rabo de noiva de alguém se casando no mar
Deixe meu corpo ir, ir bem muito, desconhecidamente sem rumo, submarino, desapegado, marinheiro sem eira nem beira, boeing desaparecido...
Nas minhas alucinações as longarinas são um desmedido vestido e rabo de noiva de alguém se casando em algum lugar do mar, bem longe e eu querendo ter sido convidado... Quem sabe duas jubartes fêmeas, enormes, se esfregando num gozo fabuloso!
Tenho inveja da coragem das tartaruguinhas, primeiro dia de vida e a obstinação é o mar feito destino. Sem medo, não sabem nem se sabem nadar e se jogam na imensidão do porvir. Pequeninhas, sem mãe nem pai!
Tenho medo(s) dele, confesso. Nunca foi perigoso para mim, mas é misterioso demais, enorme demais
Acho o mar um absurdo, mundo à parte indecifrável nos debaixos principalmente. Tenho medo(s) dele, confesso. Nunca foi perigoso para mim, mas é misterioso demais, enorme demais, bonito demais, raivoso de mais, tudo nele é ciclópico.
Os náufragos de séculos... os monstros encantados... as florestas subterrâneas... o silêncio perturbante dos navios afundados... os invasores dos mundos... os negros e as negras jogadas ao mar que se livraram da morte escravizada...
Já escrevi antes, se eu fosse o mar eu ia embora daqui. Deixava Fortaleza, o lixo e a bosta vomitados no Pajeú, no rio Ceará, no Cocó. Livrava-me dos super prédios e de seus interceptores oceânicos-humanos.
Imagina só! A Cidade Solar sem o quase infinito do Atlântico? Um buraco enorme, um vazio imenso no choro sem água e sal?
Lembrei agora de um náufrago que veio do céu e morreu afundado no mar do Pecém. É uma história de reportagem e de repórteres. Eu, Dante Accioly e Cláudio Ribeiro.
Na queda, o tenente-aviador Ricardo Beviláqua ejetou e nasceu novamente no mar
O ano era 2000 e o mês era julho, quando um avião Xavante da Força Aérea Brasileira despencou do céu com dois pilotos do finado 1º Esquadrão Pacau do 4º Grupo de Aviação. O grupamento dos caças da FAB era sediado em Fortaleza.
Na queda, o tenente-aviador Ricardo Beviláqua ejetou e nasceu novamente no mar. Sorte que não teve o também tenente Alexandro Bosco Prado, de 24 anos. Ele afundou ancorado ao paraquedas.
Um absurdo! Vexame para sucateada FAB de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e mais dor na família de Alexandro.
Vinte e quatro anos depois, Alexandro Prado virou memória do mar. Seu corpo foi, aos poucos, sendo peixe, se transformando em corais, encarnando em sereias, renascendo, talvez, em marlins azuis.
Talvez ressurja, todo ano, nas tartaruguinhas cheias de Praia do Futuro...
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