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Beco da noite
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Demitri Túlio é editor-adjunto do Núcleo de Audiovisual do O POVO, além de ser cronista da Casa. É vencedor de mais de 40 prêmios de jornalsimo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. Também é autor de teatro e de literatura infantil, com mais de 10 publicações

Beco da noite

Não tem sofrimento na visitação dos dráculas! Ela canta, ela beija e chupa os pescoços de quem faz vigília pedindo para não ir
Tipo Crônica
1310demitri.jpg (Foto: carlus campos)
Foto: carlus campos 1310demitri.jpg

Queria fazer um filme com Rodger Rogério e Teti. Uma ficção onde um casal apaixonados de dráculas, já numa idade bem vivida e de estradas, columeia amorosamente e fabula sobre a necessidade de precisar ser fim também.

É sim uma história boba de amor, ficção, das que entram nas imaginações da gente quando você quer ver e ouvir coisas definitivamente afáveis, poéticas, para sufocar esses tempos tão cansativos e grosseiros.

Dois airosos vampiros encantantes! De uma delicadeza que, quem fosse assisti-los na película sairia dando beijo na boca na primeira vontade que fosse tomada depois do cinema. É apenas um desejo de roteiristas.

 

Não são morcegos e até são. Aqueles sensuais, de língua macia, que se alimentam do silêncio e do agradável da madrugada

 

O casal, com mais de 600 séculos de existência, está num estágio tão sereno de sublimação que toma formas nos mais diversos poemas que possam transformar a possibilidade de experimentar o viver.

Não são morcegos e até são. Aqueles sensuais, de língua macia, que se alimentam do silêncio e do agradável da madrugada no gineceu das flores que somente se escancaram quando cai a noite no Lago das Ninféias, no Parque do Cocó.

É derramado, mesmo, o filme que somente existe nas minhas inquietações e nas imaginações do Arthur Gadelha - um rapaz bem novinho, concubino do cinema, que canta músicas lindas do Rodger e Teti.

 

Teti é Amina e Rodger é Raimundo... é mais uma madrugada na vida deles em qualquer lugar do mundo

 

O longa ou curta imaginário tem um possível final. Atrás do que há de bonito na morte, depois de mais de 600 séculos vendo coisas, Teti canta naquela voz sovina: "Beco da Noite" e Rodger se desmancha numa viola.

Teti é Amina e Rodger é Raimundo... é mais uma madrugada na vida deles em qualquer lugar do mundo encenado no Centro de Fortaleza e as árvores do Passeio Público. E os pacientes da Santa Casa dos carentes de sobrevivência. Então, os dráculas dão eternidades pra eles...

No beco da noite, no vinco do dia / Na alegria, o mormaço / Nos dentes já frios /Debaixo da cama seu corpo sumido / O lençol, o cansaço, o frio, o ladrilho...

No beco da noite o sonho sumido / No beco da vida a morada dos grilos / No beco da cama um claro de sol / O sangue nas mãos por debaixo do mar...

O casal de vampiros avoa, flutua desiludido, passeia na lua minguante entre os quartos e os corredores da Santa Casa de Misericórdia. Vão poupando as dores dos gementes, iludindo mais ainda quem reza pra ser eterno.

 

Hora de ele se transfigurar no baobá, morada mais imortal da cidade, e ela em todos os pássaros que nele pousam

 

Não tem sofrimento, ali, na visitação dos dráculas! Ela canta, ela beija e chupa os pescoços de quem faz vigília pedindo para não ir. O amante também faz as gentilezas até que a Cidade Solar começa a rebentar no mar.

Hora de ele se transfigurar no baobá, morada mais imortal da cidade, e ela em todos os pássaros que nele pousam. "Tontos de tanto voar", se empoleiram nos galhos de Raimundo. Tentam não ultrapassar, toda vida, a temporada da caça... Mas vão existindo.

A gente precisa morrer! Os dráculas amantes recitam um para o outro... Avoar-se, finalmente, num mangue, num sertão, num vau de sarapalha... Experimentar também a ausência de nós.

É apenas uma homenagem as muitas vidas e memórias de Teti e às ressurgências do enigmático Rodger Rogério. Não me batam!

>> O texto usa trechos das músicas "Beco da Noite", de Teti e Rodger Rogério; e "Passarás, passarás, passarás", de Petrúcio Maia e Capinam. Convido-os para escutar. 

 

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