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Um rebojo para açoitar o tronco
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Demitri Túlio é editor-adjunto do Núcleo de Audiovisual do O POVO, além de ser cronista da Casa. É vencedor de mais de 40 prêmios de jornalsimo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. Também é autor de teatro e de literatura infantil, com mais de 10 publicações

Um rebojo para açoitar o tronco

Estou vivo hoje, agora, mas ontem já morri. E há mortes a encarar muitas ainda
Tipo Crônica
1602demitri.jpg (Foto: carlus campos)
Foto: carlus campos 1602demitri.jpg

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Quem você levaria numa ventania se janelas e portas fossem invadidas e fosse ruminando tudo, até o quarador? Fiquei em redemoinho e o bafejo chegando mais ligeiro. Torvelinho cheirando a terra incomodada e quentura. Também, as sessões de terapia às terças-feiras.

Não foi o terapeuta o Éolo soprador e, talvez, até seja depois de anos de conversas, choramingos e a impaciência com os mesmos controversos que me repetem e tornam na voragem. Um rebojo para açoitar o tronco e revirar as raízes.

Melhor seria frescor nos olhos e o saco de couro com todos os ventos controlados dentro, mas Odisseu os perdeu de vista e desnavegou na tempestade.

 

"Sim, quem tiver clarividência em meio a tanto senso comum mergulhará no abissal do gozo"
 

 

É porque andei também espreitando o "Gato de Schrödinger" e ando confundido. Confesso, ele me encurrala por causa de meu cartesianismo. Daí, a aflição do quântico. Mas necessidade não seria a justeza. Talvez, o querer ser vivido em outra dimensão seria a prosa.

Estou vivo hoje, agora, mas ontem já morri. E há mortes a encarar, muitas ainda, amanhã ou daqui a pouco. Desalinhado pensamento, mesmo! Sim, quem tiver clarividência em meio a tanto senso comum mergulhará no abissal do gozo.

Bonito perceber o abissal, a profundidade. O privilégio de enxergar nas entranhas de uma árvore, feito a mangueira que vive no pátio calçamentado do O POVO há mais de 100 anos. Uma velha existência e sobrevivente até aqui. Enxertada de tempo e segredos.

 

"Não sei se o próprio experimento de Schrödinger é cartesiano"

 

Suas mangas enormes já apresentam furúnculos, algo de cor preta que não faz o fruto prestar para seres humanos. Mas há quem se beneficie daquela fruta da vida, mesmo na "infecção" da bichona enorme, mas imprópria para eu chupar. Coité.

Não sei se o próprio experimento de Schrödinger é cartesiano. Se abrirmos a caixa onde o bichano está com o veneno, então, saberemos se vivo ou morto. Caso não abramos, os possíveis se intercalam nos pensares. Mas é quântico e dependerá do descaminho de cada diferente.

Assisti, numa das minhas últimas insônias, ao filme "Canina", com Amy Adams. Começou bem, encurralando o mito da maternidade e compreendendo que se casar e ter filhos, principalmente para as fêmeas, atrapalham a vida. É outro experimento a se ruminar.

 

"Os machos não conseguem sair dos descompromissos. Apenas vivem a experiência de ter vindo macho"

 

Da mulher que não sabe se foi morta pela maternidade mítica e se conseguirá sobreviver ao abismo de criar, solitariamente, um filho. Ela está sempre exilada com a cria, mesmo com um marido ao lado ou desterrado dela e do novilho.

Os machos não conseguem sair dos descompromissos. E contra o experimento de Schrödinger, apenas vivem a experiência de ter vindo macho. Ando meio assim, um ranheta.

Fui um pai na fase infantil e adolescente de três filhos - Saulo, Sarah e Pedro - sem dar conta das outras experiências largadas por Virgínia. E veja, é cômodo para os machos muitas mulheres não arredaram do sacrifício da maternidade idealizada.

 

"Ao seu redor não havia balas perdidas e nenhum furo na rede de proteção na infância"

 

Nunca fui ao berço do Saulo, lá pelas tantas da madrugada, olhar se o menino estava respirando. Ele experimentava o sono dos ursos. Não teria motivos para fenecer. Ao seu redor não havia balas perdidas e nenhum furo na rede de proteção na infância. A mãe ia sempre conferir. 

Em "Caninas", a personagem "Mother" (Amy Adams) começa surpreendente. Cheia de mortes em vida, tanto que vai se animalizando na escrita do livro de Rachel Yoder e no roteiro e direção de Marielle Heller. Mas se animalizar nunca foi ruim. Pode ser um bafejo quântico. O fim do filme não me apraz, mas isso é desimportante.

Boa semana!

 

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