Demitri Túlio é editor-adjunto do Núcleo de Audiovisual do O POVO, além de ser cronista da Casa. É vencedor de mais de 40 prêmios de jornalsimo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. Também é autor de teatro e de literatura infantil, com mais de 10 publicações
Uma leitora, a professora Glaucia de Sena, me escreve. O endereço dela dá no mapa praiano de Trairi, no Ceará. Faz-me um apelo por delicadeza e um mundo menos dilacerante. Pede pela memória de Mário Jardonis Paulo dos Santos. Um rapaz de 33 anos, pescador, porteiro da escola pública Nossa Senhora da Saúde.
Escuto os áudios de Glaucia, leio as mensagens digitais com curiosidade e um vazio. Jardonis, infelizmente, virou um herói improvável por causa de um cão ameaçado de morte numa praça perto da Emboca - uma vila de pescadores de nome mais bonito que Macondo.
Mário Jardonis terminou de viver seus 33 anos de existência na última segunda-feira de março de 2025. Voltava para casa, com um primo e um amigo, quando resolveu insistir por um rolê numa pracinha que fica no caminho.
"numa praça de uma vila de jangadeiros e o mar todos os dias e noites..."
Por essas confluências do inesperado, havia na praça uma discussão por causa de um cachorro que mordeu no nariz, por brincadeira ou sei lá, o próprio tutor. O "dono" do animal, Francisco Jauro dos Santos Souto, num acesso de insensatez partiu para matar o cão.
Deu-se uma confusão em defesa do bicho e Francisco Jauro, enraivecido, foi em casa e armou-se de faca. O cara voltou e torpe; e covarde; e fútil; e desnecessário; e sem chance assassinou e deu fim, cruelmente, à vida Mário de Jardonis Paulo dos Santos.
Uma facada perversa abaixo da axila, uma segunda-feira como outra qualquer, numa praça de uma vila de jangadeiros e o mar todos os dias e noites... Era perto e depois da meia-noite, o assassino fugiu. E, mesmo acudido, Mário Jardonis Paulo do Santos deixou a existência e saudades em quem gostava dele. Também um luto e um oco.
"Por crueldade não se explica nem se perdoa. Feito Gaza, quase exterminada, e Israel imperdoável..."
Claro! A morte talvez tenha sentido, ser arrancado por ela, quando os anos já têm a idade do mar. Ou doença inexplicável e uma inopinada em redemoinhos. Por crueldade não se explica nem se perdoa. Feito Gaza, quase exterminada, e Israel imperdoável...
Mais uma vez, não sei se o que escrevo aqui é crônica. Não é notícia. Talvez seja o jeito de dizer que sinto muito por Mário Jardonis Paulo dos Santos e por quem chora a bruteza de seu fim. Pedir por justiça também não é o bastante.
O assassino, vi sua trajetória de violência, tem no currículo porte ilegal de arma, ameaça, identidade falsa, calúnia, lesão corporal e, agora, o assassinato de Mário Jardonis Paulo dos Santos. Injustificável maldade matá-lo e arrogante fazer o outro não existir mais.
"Presumivelmente irá lesionar e, porventura, poderá assassinar mais uma e outra existência"
Foi preso em flagrante pela PM. E se Jauro é insano, então precisa estar numa penitenciária especializada em gente com insanidade sem controle. E tem no Ceará. Provavelmente, ele irá ameaçar novamente. Supostamente irá se armar, possivelmente vai caluniar. Presumivelmente irá lesionar e, porventura, poderá assassinar mais uma e outra existência.
Mário Jardonis Paulo dos Santos foi aluno de Glaucia de Sena e, também, do fotógrafo e biólogo Célio Ribeiro. Era porteiro. Pescador. Solteiro. Gostava de bichos. Tinha amigos. Namorava. Jardonis era primo de Gustavo Paulo dos Santos e parente de muita gente na praia da Emboaca. Tinha parte com o mar, com o sol e os peixes. Seu pai é pescador e sua mãe, marisqueira. Dona Edileuza e José Batista.
Não o conhecia e peço desculpas por seu nome ter aparecido em um jornal, no O POVO, apenas quando perdeu a vida. Um homicídio, feito milhares, na vala comum dos assassinatos que viram números, estatísticas e quase uma normalidade.
Agradeço a leitora Glaucia de Sena em insistir pela memória de Mário Jardonis Paulo dos Santos e sua existência, infelizmente, interrompida pela bruteza.
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