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Retrospectiva 2021: Resenhas tardias 3
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Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM

Marcos Sampaio arte e cultura

Retrospectiva 2021: Resenhas tardias 3

Até que se prove o contrário, hoje encerra a série de comentários sobre bons discos lançados em 2021 e que merecem atenção. Confira
Tipo Opinião
Capa do disco 'Delta Estácio Blues', de Juçara Marçal (Foto: fotos divulgação)
Foto: fotos divulgação Capa do disco 'Delta Estácio Blues', de Juçara Marçal

Juçara Marçal – Delta Estácio Blues

Juçara Marçal é uma das cantoras mais instigantes em atividade no País. Reconhecida por projetos como Metá Metá e Sambas do Absurdo, ela criou um espaço único na música brasileira, que mistura do eletrônico ao folclórico com uma unidade perfeita. Sete anos depois de um disco cáustico em que abordava a morte, ela retorna com um novo trabalho solo em que os assuntos não são menos densos. “A intolerância, a loucura de todos nós emojis não vão qualificar”, avisa em “Sem Cais”. Feito a base de colagens eletrônicas entrecortadas por baixos profundos, vocais lancinantes, guitarras tenebrosas e ruídos por todo canto, “Delta Estácio Blues” é feito pra ser engolido de um gole único e ardente. A faixa título aborda as maldições e reencarnações do samba e do blues, enquanto “La femme à Barbe” parece um encontro de Patti Smith com Serge Gainsbourg. E segue com viagens sonoras (“Baleia” e “Oi Cat”), convite à briga (“Crash”) e uma melancolia tétrica e sem lágrimas (“Lembranças que guardei”, com participação de Fernando Catatau). Incrível do começo ao fim.

Pra conferir as outras duas parte da retrospectiva 2021, clique aqui (Parte 1 e Parte 2)

 

Capa do disco 'Paisagens', de Rafa Matins
Capa do disco 'Paisagens', de Rafa Matins

Rafa Martins - Paisagens

Depois de alguns discos e shows com os Selvagens a Procura de Lei, Rafael Martins abriu espaço na agenda pra lançar seu primeiro trabalho solo. Despido das influências do rock anos 80 que compartilha com a banda cearense, o músico construiu um repertório íntimo, contido e introspectivo. É possível ouvir algo de Zé Ramalho e Pink Floyd em "Oráculo". "Roupa turquesa" é uma espécie de bossa informal, e "Café" é um roquinho soft, com balanço gostoso, e lembra Belle And Sebastian. Composto em Fortaleza, durante o isolamento, "Paisagens" revela a timidez de Rafa Martins como cantor, mas dá um passo adiante em seu trabalho como compositor.

Capa do disco 'Quem sabe isso quer dizer amor', de Maria Gadu
Capa do disco 'Quem sabe isso quer dizer amor', de Maria Gadu

Maria Gadu - Quem sabe isso quer dizer amor

Cantora de recursos limitados, Maria Gadu sempre teve boas intenções. Pois são as boas intenções que salvam o primeiro disco de intérprete da cantora de 35 anos recém-completados. Entre canções da boyband Westlife ("Flying without wings"), Legião Urbana ("Faroeste caboclo") e Caetano Veloso ("Este amor"), é ela quem assume produção e todos os instrumentos. Com sonoridade ora acústica, ora eletrônica, o disco tem como destaque a versão ralentada e agressiva de "Um móbile no furacão" (Moska). "Coisas da vida" (Rita Lee) e "Sal da terra" (Beto Guedes) perderam o brilho em meio a tanto vazio. Já "Admirável gado novo" (Zé Ramalho), mais arrastada, ficou ainda mais incômoda com sua mensagem sublinhada. O que chega mais perto de algo radiofônico é "A me ricordi il mare" (Daniele Silvestri), só não sei que rádio tem coragem de tocar esse tipo de som hoje.

Capa do disco 'Elegant fish', de Marcio Resende
Capa do disco 'Elegant fish', de Marcio Resende

Márcio Resende - Elegant Fish

O saxofonista e flautista carioca - radicado em Fortaleza - Márcio Resende é dono de um currículo vasto, com formação no exterior e contribuição em trabalhos de muita gente experiente. Mestre dos improvisos, ele reúne parte desse olhar universal para música no seu terceiro disco. Produzido por Sandro Albert, o disco reúne standards americanos, brasileiros e composições próprias, todas com muito refino, solos macios, improvisos corpulentos e espontaneidade. O time de músicos é pequeno, mas reúne figuras como Toninho Horta (guitarra), Jorge Helder (baixo) e Claudio Nucci fazendo doces vocais em "Um nome num barco". O repertório traz obviedades como "Amor em paz" e "Meditação", mas com cara nova. Ouçam a empolgante "Along came Betty", de Benny Golson, aqui vestida de samba-enredo.

Capa do disco 'Bom mesmo é estar debaixo d'água', de LUedji Luna
Capa do disco 'Bom mesmo é estar debaixo d'água', de LUedji Luna

Luedji Luna - Bom mesmo é estar debaixo d'água

Desde 2017, quando estreou em disco, Luedji Luna convida o público a mergulhar em sua alma. Seu som é íntimo, sensível, passional e político, como uma Maria Bethânia das novas gerações. Contando com a presença das escritoras Conceição Evaristo, Cidinha da Silva e Tatiana Nascimento, o novo álbum segue falando da experiência de uma mulher negra no mundo. O som ganhou mais balanço, mas o ouro está no discurso, na força das palavras. "Tirania" é cinematográfica nos desenhos feitos no arranjo de cordas. "Ain't I a woman", do repertório de Nina Simone, é amarga na medida certa. "Origami", mais feliz, faz conexão com a África numa letra toda cifrada. "Lençóis" é a beleza em estado bruto, tangível, com um piano hipnótico. São 12 faixas imprescindíveis, cada uma com seu tempo, sua respiração, sem pressa e sem sobras. Certamente, um dos melhores discos de 2021.

Capa do disco 'O Infalível Zen', de Benito de Paula
Capa do disco 'O Infalível Zen', de Benito de Paula

Benito di Paula e Rodrigo Vellozo – O infalível Zen

O sambista carioca Benito di Paula completou 80 anos em 2021 com sua popularidade parcialmente recuperada. Embora o trabalho ao vivo de 2009 tenha dado novo fôlego à sua carreira, é mesmo do passado que seus fãs se alimentam. Seu novo disco, se divide entre as necessidades de mostra-lo vivo e ativo em canções inéditas e de homenageá-lo pelo já feito. A voz já gasta, cansada e trêmula é um ponto alto de um trabalho marcado pela verdade e pela emoção. Assinado em parceria com o filho Rodrigo, “O infalível Zen” conta com a mão da cena sambista paulistana moderna que deu contribuições importantes a nomes como Elza Soares e Jards Macalé. Me refiro Rodrigo Campos e Rômulo Fróes, entre outros. Com arranjos intrigantes, onde o samba é só uma referência, o álbum tem pontos altos como “Um piano no forró” (homenagem a Luiz Gonzaga), “Aurora” (com métrica troncha e versos dramáticos), “O jantar” (que bolero!) e “Improvation” (uma catarse ao piano).

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