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Memórias da ausência: a trilha dos dois anos de pandemia
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Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM

Marcos Sampaio arte e cultura

Memórias da ausência: a trilha dos dois anos de pandemia

Lives, lutos, lockdown, mudanças e home office. Dois anos se passaram e a pandemia ainda nos ronda
Tipo Crônica
Iracema Guerreira, um símbolo de Fortaleza na Praia de Iracema
 (Foto: FABIO LIMA)
Foto: FABIO LIMA Iracema Guerreira, um símbolo de Fortaleza na Praia de Iracema

E lá se vão dois anos desde que a pandemia chegou deixando um rastro imenso de despedidas, descobertas e transformações. Nenhum instante foi fácil e aqueles que acreditavam que sairíamos melhores dessa foram se desesperançando à medida que percebiam que nossos interesses pessoais são maiores que qualquer esforço coletivo.

Na música, foi hora de se despedir do imenso poeta Aldir Blanc; da rainha da roda, Elza Soares; do imensurável apaixonado Evaldo Gouveia; da rainha da sofrência Marília Mendonça; do Paulinho, do Roupa Nova; e dos cearenses Carlinhos Perdigão, Edson Távora, Izaíra Silvino e Erickson Mendes.

Foram também os anos das lives, que ajudaram a aliviar as tensões do isolamento. Aqueles menos egoístas, que fugiram de festas clandestinas, puderam ouvir Bethânia, soberana, pedir vacina e misericórdia. Caetano, delicado, acalentando o neto Benjamim. Paulinho da Viola fazendo o de sempre, e sempre tão necessário. Gal, majestosa, comemorando 75 anos ao lado dos novos. E Charlie Watts, pedra rolante, tocando bateria imaginária antes da despedida derradeira.

Houve quem se apressou para dizer que as lives vieram pra ficar como um modelo democrático de realizar shows que podem ser consumidos simultaneamente em todo o mundo. Mas só quem ignora o prazer daquela fila imensa pra comprar cerveja quente, ou pra se aventurar num banheiro químico, tudo temperado pelos odores da multidão, poderia acreditar nisso. Na hora da farra, nada como a multidão.

E foi pensando em multidão que eu sonhei como deveria ser a reabertura oficial de Fortaleza após a pandemia. A Praça do Ferreira tomada pelo Luxo da Aldeia, recebendo outros blocos de Pré-Carnaval, todos celebrando Moraes Moreira. Na Domingos Olímpio, grupos de maracatu desfilariam até um palco apoteótico, ali no cruzamento com a Aguanambi, onde Ednardo os receberia tocando seus pavões misteriosos, longarinas e sua beira mar. No aterrinho, Las Tropicanas, Camila Marieta, Caio Castelo, Jeffe e outros mostrariam que a roda da música cearense não para de girar. Teria ainda Rodger Rogério e Nayra Costa no Cantinho do Frango; Fagner cantando Belchior no TJA; a Orquestra Contemporânea Brasileira homenageando Eleazar de Carvalho no São Luiz. E ainda Erivan numa roda de raps no Mucuripe; Obskure espalhando metais pelo Bom Jardim; Marcos Lessa e seus graves no Iate Clube. O samba do Serpentina e Marquinhos reassumindo o posto de DJ, botando seus discos voadores para girar na calçada da Hi-Fi6.

Muitos sons, muitos sorrisos e o convívio coletivo se reconstruindo na Cidade. E tudo entraria pela noite e se encerraria no dia seguinte, ao nascer do sol com Teti interpretando seu disco "Equatorial". Na hora dos primeiros raios de sol, ela cantaria "Passarás, passarás" com os versos "Tenta como eu ser pássaro e passarás, passarás as penas. Tenta apenas ultrapassar o penar". Sim, Tetinha, tudo passa.

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A cantora Nora Ney, estrela da era do rádio
A cantora Nora Ney, estrela da era do rádio

Os 100 anos de Nora Ney

Bem antes de se falar em sofrência, poucos nomes seriam tão atrelados às dores de amor quanto o de Nora Ney. Ou melhor, Iracema de Sousa Ferreira, nome de batismo da intérprete de “Ninguém me ama”, “Onde anda você” e “Bar da noite”. Nascida em 20 de março de 1922, essa fã de Aracy de Almeida e Mário Reis era pequena quando ganhou um violão do pai. Ali, o sonho de ser artista ficou mais fácil.

Mas a trajetória de Nora Ney na música não foi comum. Frequentadora dos estúdios de rádio, ela tinha voz curta e não exagerava nos “erres”, como era comum aos cantores da época. Adiantando intuitivamente o que João Gilberto apresentaria depois, o timbre grave e a emissão quase falada tornavam suas canções ainda mais sofridas. Curiosamente, foi ela a primeira a cantar um rock no Brasil. Sendo uma das poucas que tinha intimidade com línguas estrangeiras, deram a ela incumbência de colocar voz em “Rock around the clock”, sucesso do filme “Sementes da Violência”.

Assim como seu repertório, sua vida não foi de facilidades no amor. Nora passou de um pai agressivo a um marido violento, que a impedia de aceitar trabalhos e tomava seu dinheiro. Em um dos episódios que ganhou muitas manchetes de jornal, ela teria sido obrigada pelo então esposo a tomar uma overdose de comprimidos. Ele alegou tentativa de suicídio e o machismo da época não a ajudou em nada.

Mas foi a partir desse marido que Nora Ney se aproximou do partido comunista, leu Kark Marx e alfabetizou operários da construção civil. Essa inclinação política acabou, por outro lado, lhe custando uma perseguição do governo Vargas e o exílio junto com o segundo marido, o cantor Jorge Goulart. Tendo que viver longe do Brasil, eles passaram a rodar o mundo, fazendo shows na África, Ásia e leste europeu.

O peso da vida e da distância rendeu um alcoolismo a Nora, que ela tratou nos Alcoólicos Anônimos. A estrela do Copacabana Palace dos anos 1950, uma das divas da Rádio Nacional, amiga de Maysa, dividiu com outras companheiras de ofício o espetáculo “Rainhas do Rádio”, que ficou em cartaz por décadas. Aos 70 anos, depois de sofrer um derrame, precisou parar de cantar e faleceu em 2003 vítima de um câncer.

Notas musicais

O baixista cearense Michael Pipoquinha lançou esta semana "Maurício", novo single do disco "Um Novo Tom". A faixa é uma homenagem a um amigo de infância, hoje falecido. O disco tem direção do pianista Thiago Almeida. Afilhado artístico de Arthur Maia, Pipoquinha tem se destacado ao lado de estrelas da MPB e na cena instrumental jazz, nacional e internacional.

Um ano depois de chamar atenção como integrante do The Voice , Claudya anunciou pelas redes sociais o novo disco. "A nossa bossa sempre jovem" é uma homenagem à bossa nova e à jovem guarda, com 10 versões inéditas unindo os dois estilos. Os arranjos e direção são do pianista Alex Vianna. Seu último disco foi "Pra sempre amanhecer" (2016).

O mais-que-rapper Criolo programa pra maio o lançamento de "Sobre viver", seu novo disco e show. Misturando composições novas e antigas, o disco está sendo pensado junto com o show e vai reunir singles recentes como "Fellini" e "Cleane". Ainda este ano, Criolo também participa de um tributo a Benito de Paula cantando "Charlie Brown".

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