Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
Cinco anos depois de um disco que passou batido no Brasil, Ed Motta lança um novo trabalho de inéditas onde reforça suas intenções musicais. A rigor, não há surpresas: é funk, soul, jazz, pop executado com classe, precisão, virtuose e personalidade. São 14 faixas (em inglês) inspiradas em filmes, séries e quadrinhos antigos. Combinando orquestrações com bateria, teclados, guitarras e vocais, "Behind the tea chronicles" traz belezas nos detalhes que serão descobertos a cada nova audição. São toques de percussão, mudanças de andamento, vozes que se abrem e até uma vinheta acústica, guiada em violões, baseada num personagem francês de quadrinhos chamado Buddy Longway.
Um dos discos mais comentados de 2023, a homenagem de Xande de Pilares a Caetano Veloso teria chamado ainda mais atenção em outros tempos. Mas, na era do consumo efêmero e competindo com uma enxurrada de lançamentos semanais, logo o projeto virou memória. Mas é fato que o tributo do sambista carioca é criativo, sincero e original. O repertório vai do óbvio ("Qualquer coisa") a surpresas ("Gente", "O amor"), tudo vestido de samba e pagode safra 1990. Num primeiro momento, pode parecer um pecado mortal encher "Alegria alegria" ou "Tigresa" de batuques. Mas o resultado é respeitoso, curioso e cativante.
Wilson das Neves- Senzala e favela
Wilson das Neves é um dos capítulos mais gloriosos da história musical brasileira. Como baterista, tocou ao lado da nata da MPB. Como compositor e cantor, gravou discos e foi premiado. O projeto "Senzala e "Favela" seria mais um dos seus trabalhos autorais, mas ele faleceu antes de conclui-lo. Coube aos produtores Alexandre Kassin e Jorge Helder reunir um time de bambas para dar conta de uma obra que nasceu para ser clássica. Áurea Martins, Seu Jorge, Rodrigo Amarante, Chico Buarque, Maria Rita estão entre as vozes convidadas, assim como Ney Matogrosso que ilumina com nobreza o samba "Um novo amor chegou". Para ouvir do começo ao fim, sem medo.
Gabriel Aragão - Rua mundo Novo
Reconhecido pelo trabalho ao lado da banda Selvagens a Procura de Lei, Gabriel Aragão já vinha realizando algumas experiências solo. "Rua Mundo Novo", por outro lado, tem ar de estreia com 11 faixas produzidas e tocadas por Marcelo Camelo. Juntos, o selvagem e o hermano encontraram uma linguagem sonora que, inevitavelmente, se aproxima de suas bandas. Produtor cuidadoso, Camelo deixa sua marca ao misturar a linguagem pop e rock com orquestrações e algumas brasilidades. Para quem conhece a obra solo de Marcelo e de sua esposa Mallu Magalhães, vai ser fácil reconhecer essa mistura. Para Gabriel, é um passo adiante na carreira que já vem rendendo bons discos.
Elza Soares- No Tempo da Intolerância
Em mais de 60 anos de carreira, Elza Soares teve tempo de renascer muitas vezes. Sua última encarnação foi segurando muitas bandeiras contra a violência, o machismo, o preconceito e a inação brasileira. "No tempo da intolerância" tem isso tudo, mas numa obra autoral. Feito a partir de registros guardados, foram criadas parcerias com nomes como Josyara e Ivone Lara, e tudo foi embalado com sambafunk, afrobeat, bolero e outros estilos. Tem ainda inéditas de Pitty e Rita Lee que Elza. Mesmo com a voz cansada e sem o rebolado que mexeu com a cabeça, a Rainha da Ginga segue mostrando que tem o que dizer.
Zeca Baleiro - O samba não é de ninguém
Zeca Baleiro já fez de tudo um pouco desde que ganhou projeção nacional. Mas esta é sua primeira incursão de verdade no samba. Embora ele tenha alguns em seu repertório, esse é o primeiro disco que ele dedica exclusivamente ao ritmo mais brasileiro. O projeto começou em 2013, quando ele gravou uma primeira leva de composições. Ainda preocupado em pisar nesse chão sagrado, ele só foi retomar o disco seis anos depois, já mais certo do que queria. Sem querer reinventar nada, Baleiro defende suas ideias com voz grave e reverenciando os mestres que chegaram ali antes dele. A faixa que dá nome ao disco prova isso. Nada é novo, mas tudo respeita a tradição. Nem a capa desenhada por Elifas Andreato ele dispensou.
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