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Ney Matogrosso limita sua 'atitude roqueira' em parceria com o Hecto
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Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM

Marcos Sampaio arte e cultura

Ney Matogrosso limita sua 'atitude roqueira' em parceria com o Hecto

Aos 83 anos, Ney Matogrosso se une ao duo Hecto em disco de pegada roqueira com parábolas sobre um novo mundo
Tipo Opinião
Marcelo Lader, Ney Matogrosso e Guilherme Gê (Foto: Marcos Hermes/ Divulgação)
Foto: Marcos Hermes/ Divulgação Marcelo Lader, Ney Matogrosso e Guilherme Gê

Houve uma época, ali pelos anos 1990, início dos 2000, em que o clichê que se repetia a torto e a direito era que "rock é atitude". Sem uma definição clara sobre o tema, a impressão que passava era que "ter atitude" significava fazer cara de mau, cantar gritado, ter pose de machão, solar na guitarra e sair apontando o que há de errado no mundo. O tempo passou, o mundo continua cheio de problema, mas o rock não dá mais conta de expressar as angústias nem da juventude, que dirá da sociedade toda. É como se Lobão tivesse sido premonitório quando afirmou que "o rock errou".

Mas, se compreendermos atitude por outro aspecto, mais amplo e simbólico, Ney Matogrosso tem mestrado e doutorado no assunto. Nada pode ter mais atitude do que um homem subir ao palco de rosto maquiado, trajando penas, cores e colares, de peito nu em plena ditadura militar. Só na curtíssima temporada em que esteve à frente dos Secos&Molhados, o intérprete sul-mato-grossense deu aula de atitude e rock, estilo que ele nunca abandonou ao longo desses 52 anos de carreira. No entanto, sua compreensão de rock também é mais ampla e simbólica.

Toda essa conversa mole é para introduzir "Canções para um novo mundo", disco que Ney lança ao lado do Hecto. Esse duo roqueiro é formado pelo cantor, produtor e instrumentista carioca Guilherme Gê com o guitarrista catarinense Marcelo Lader. São nove faixas compostas por Gê ao lado de nomes como Paulo Sérgio Valle, Sérgio Britto (Titãs) e Mauro Santa Cecília (letrista recorrente na obra do Barão Vermelho). O time de músicos que participa é igualmente estrelado: Guto Goffi e Fernando Magalhães (ambos do Barão), Carlos Malta, Mario Fabre, Will Calhoun (Living Colour).

A aproximação de Ney com o Hecto veio em 2017, durante a produção do musical "Puro Ney", que tinha Matogrosso como tema e Guilherme no elenco. A partir desse encontro, eles gravaram juntos uma versão bilíngue de "Nada será como antes" e seguiram pensando em mais músicas. E como é do métier do Hecto, esse repertório foi se formando a partir da linguagem do rock - aqui entenda rock não só como "atitude", mas como baixo, bateria, guitarra, tudo plugado e com letras politizadas. Nada de novo na trajetória de Ney, mas aqui parece haver uma troca bem curiosa.

Cantando de forma segura e visceral aos bem vividos 83 anos, Ney Matogrosso recebe a energia do repertório do Hecto e dá em troca alguns bons holofotes. Isso por que não é fácil saber sobre a história da banda até antes desse disco. Um single aqui, um vídeo ali, mas nada de robusto que fale quem são eles. No próprio material enviado à imprensa praticamente não há referência a Marcelo Lader, que inclusive nem toca no disso. Assim, que banda é essa?

Ok, mas o disco é bom? "Canções para um novo mundo" se equilibra entre boas intenções, letras que se esforçam para passar uma mensagem impactante, desejo de explorar as possibilidades do rock e um ar de ideia anacrônica. Sim, como se essa parceria tivesse que ter nascido há uns 40 anos, quando o rock ainda ditava as regras do mercado. Ainda assim é interessante saber que Ney, uma das maiores estrelas pop do Brasil, voltou a gravar um disco inteiro ao lado de outro artista. A outra única vez que ele fez isso foi em 2004, no clássico "Vagabundo", dividido com Pedro Luis e a Parede.

Se algo une esses dois trabalhos é a faixa "Pátria gentil", que elenca as mazelas brasileiras como quem anuncia um tele atendimento, uma sacada que se assemelha à poética multifocal de Pedro Luis. Daí em diante é Ney colocando sua experiência a serviço do repertório de Gê. "Monólogo", por exemplo, é uma balada sobre o tempo que ganha mais dramaticidade com as cordas de Rafael Dias Belo. Já "Solaris" tem peso, velocidade, muitos efeitos e a voz de Frejat. Outra convidada é Ana Cañas, que canta sem chamar muita atenção na esperançosa "O amor vem antes de tudo".

A verdade é que Ney Matogrosso já não precisa provar nada a ninguém e parece ter visto em "Canções para um novo mundo" mais um exercício estético. Talvez por isso, o trabalho acrescenta pouco à sua obra que se espraiou por tantos estilos, do brega ao manguebeat, passando por samba, guarânia e progressivo. A reafirmação do Hecto como uma banda de rock mais pareceu prender seu convidado, que, diante de tantas possibilidades, teve que se dedicar a um estilo só. Sim, no disco há letras bacanas, melodias reconhecíveis e verdade no que eles têm para dizer. Mas tudo isso ainda é pouco quando se olha para o lado e quem está cantando é Ney Matogrosso.

Universal Music relança em vinil
Universal Music relança em vinil "Rita Lee e Roberto de Carvalho"

Notas musicais

Mais vinil

O disco “Rita Lee & Roberto de Carvalho” (1990) está ganhando reedição em vinil pela Universal. O disco capta uma fase complicada do casal roqueiro, que estava prestes a uma separação temporária. Ainda assim, eles tiveram tempo de gravar “Perto do Fogo” (de Rita e Cazuza) e uma versão bossanovista de “La Javainese”, de Serge Gainsbourg.

Só Garoto

Romero Lubambo (violão), Cristovão Bastos (piano) e Mauro Senise (sopros) estão lançando o disco “Lembrando Garoto”, com canções do repertório de Aníbal Augusto Sardinha, músico lendário mais conhecido como Garoto. Além das composições, como a linda “Duas Contas”, o disco tem canções autorais inspiradas no homenageado.

Parceria

Reservadas a círculos mais seletos de ouvintes, Consuelo de Paula e Regina Machado estão lançando um disco em parceria. Fruto das experiências que surgiram ainda durante a pandemia, “Pássaro Futuro” tem 11 faixas inéditas que foram surgindo como uma “espécie de surto criativo de 40 dias”.

Selvagem?!

Em fevereiro, chega às plataformas digitais o novo single da banda cearense Selvagens à Procura de Lei. Além da música inédita, eles apresentam uma nova formação, tendo Gabriel Aragão à frente. Para quem não lembra, a banda protagonizou uma crise ruidosa no meio do ano passado alimentada por declarações desencontradas e intrigas públicas.

Lenda

O guitarrista Manoel Cordeiro, nome central da música paraense, vai ganhar um documentário sobre sua longa trajetória. Dirigido por San Marcelo, o filme tem participações de Nazaré Pereira, Felipe Cordeiro, Nilson Chaves e da atriz Dira Paes. A previsão de lançamento é 8 de novembro de 2025, quando Manoel chega aos 70 anos.

Djavaneando

Nessa moda de relançar tudo em LP, o selo Rocinante deve apresentar em breve versão em vinil do disco “Malásia”, de Djavan. Puxado pelo sucesso estrondoso de “Nem um dia”, o disco trouxe como curiosidade releituras bem pessoais para “Coração Leviano” (Paulinho da Viola) e “Correnteza” (Tom Jobim/ Luiz Bonfá), além de “Tenha Calma”, música de Djavan lançada por Maria Bethânia em 1989.

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