Documentário da Max revive o sincretismo dos afro-sambas de Baden e Vinicius
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Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
Foto: Divulgação
Capa do disco 'Os afro-sambas', de Baden Powell e Vinicius de Moraes (1966)
Segundo Nelson Motta, em meados dos anos 1960, não havia nada mais ultrapassado no Brasil do que a bossa nova. Enquanto o mundo ainda se encantava com aquelas melodias, por aqui, falar de amor, sorriso, flor, banquinho e violão já não fazia sentido. Ainda mais depois de 1964, quando o golpe militar turvou o pensamento nacional. Agora, o público buscava outra experiência com o País, algo que o colocasse em contato com as próprias raízes, sua cultura mais original, suas experiências mais autênticas.
Esse depoimento está em “Os afro-sambas: O Brasil de Baden e Vinicius”, lançamento da plataforma de streaming Max. O documentário dirigido por Emílio Domingos aborda uma das resultantes desse sentimento nacionalista. Quando Vinicius de Moraes ganhou do amigo músico e advogado Carlos Coqueijo um disco de sambas de roda e cantos de candomblé, sua inspiração aguçou.
O presente veio da Bahia, onde Baden Powell havia passado uma temporada na mesma época. Quando poeta e violonista se encontraram, decidiram criar em cima daquele som que, para eles, era totalmente novo.
Em 90 minutos, o filme aborda a criação do disco “Os afro-sambas de Baden e Vinicius”, de 1966. A história vem desde o sambista Ismael Silva até chegar ao maestro Moacir Santos, duas influências desse trabalho. Marco absoluto do pós-bossa nova, o álbum traz uma combinação curiosa de informalidade e rigor técnico.
Com arranjos do maestro petropolitano Guerra Peixe, as gravações aconteceram num dia de chuva torrencial no Rio de Janeiro. Num estúdio alagado, estavam seis percussionistas, três sopristas, um baixista, o violão inacreditável de Baden, além das vozes, que são história a parte.
Vinicius queria um coro que parecesse com o que ele viu em muitos terreiros da Bahia, onde foi morar com a esposa Gessy e onde ficou amigo de Mãe Menininha do Gantois. Então ele montou o Coro da Amizade, chamando a atriz Betty Faria, o psiquiatra Augusto Parga e Eliana Sabino, “um broto bonito e inteligente”, como ele descreve no encarte do disco, filha do escritor Fernando Sabino.
Como o coro era totalmente inexperiente em estúdio, foi chamado o Quarteto em Cy como margem de segurança. “Era tudo desafinado”, lembra Cynara, do Quarteto, no filme. Outra voz convidada é a de Dulce Nunes, que já havia trabalhado com Vinicius quando substituiu Nara Leão no musical “Pobre menina Rica”. Com uma carreira minúscula concentrada nos anos 1960, ela trabalhou num escritório de arquitetura até morrer, em 2020, vítima da covid-19.
Embora identifique muito mal os convidados, “Os afro-sambas: O Brasil de Baden e Vinicius” conta com depoimentos interessantes de quem participou da obra e de quem se banhou nela. Maria Bethânia fala muito de sua relação com Vinicius – foi ele quem a convidou para conhecer Mãe Menininha e foi ela que o apresentou à futura esposa Gessy.
Jards Macalé conta como esse disco foi importante, tanto que ele foi estudar violão com Meira, mesmo professor de Baden. Russo Passapusso fecha com uma bela analogia sobre o encontro de águas que resultaram na pororoca dos afro-sambas.
Confira o trailer de "Afro-sambas: O Brasil de Baden e Vinicius"
Como era de se esperar, o disco “Os afro-sambas de Baden e Vinicius” não vendeu quase nada e foi mais um fracasso na curta história da gravadora Forma. Mas a vergonha comercial é oposta à importância histórica da obra que juntou a poesia brejeira e erudita de Vinicius de Moraes e o violão popular e classudo de Baden Powell com a matriz religiosa brasileira.
Tanto que algumas canções tornaram-se sucessos populares, como “Berimbau” e “Canto de Ossanha”. De Elis Regina a Herbie Hancock, passando por Monica Salmaso, Céu e Virgínia Rodrigues, muita gente reverenciou Xangô, Iemanjá e Exu a partir dessas canções que, agora, têm sua história registrada.
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Padê (2008) - Primeiro e vigoroso encontro em disco da cantora Juçara Marçal e do violonista Kiko Dinucci, que depois formariam a banda Metá Metá, muito emblemática dos anos 2010 e que, a começar por seu nome em iorubá, também celebrou as tradições religiosas afro-brasileira.
Samba de roda (1975) - Terceiro álbum de estúdio do mestre Candeia, foi lançado pela gravadora Tapecar e faz um apanhado de sambas autorais e de temas tradicionais do cancioneiro dos terreiros religiosos e das rodas de capoeira.
Voz Nagô (2017) - Disco todo formado pelas parcerias dos gigantescos Pedro Amorim e Paulo Cesar Pinheiro. Esse é uma obra-prima que se abre de forma muito poética para esse universo cultural tão vibrante e sofisticado das religiões afro-brasileiras, reafirmando a potência da mistura entre religiosidade, resistência e festa.
Os Tincoãs (1973) - Com a chegada de Mateus Aleluia, o grupo baiano abandonou o formato de trio de bolero e mergulhou no universo do candomblé e de seu cancioneiro com arranjos cheios de virtuosismo vocal.
Áfrico: Quando o Brasil Resolveu Cantar (2001) - Em 14 faixas, quase todas parcerias com Paulo César Pinheiro, o cantor e violonista Sérgio Santos nos apresenta um dos discos mais exuberantes da música brasileira, tanto pelas letras de Pinheiro quanto pela coragem e pela sofisticação dos arranjos.
Patrícia Marx lançou nas plataformas digitais uma versão de "Cartomante", composição de Ivan Lins e Vitor Martins, sucesso na voz de Elis Regina. O single faz parte do álbum "Nos dias de hoje, esteja tranquilo", todo com canções de Ivan, como "Vieste" e "Abre Alas". O álbum completo está previsto para setembro.
Infantil
Símbolo da cena independente brasileira, a banda Autoramas surpreendeu lançando um disco infantil. Hilariamente batizado de "Autoraminhas", o projeto conta com 10 faixas inéditas que falam da hora do recreio, de cosquinha no dedão, animais amigos e outras brincadeiras. No som, é o mesmo rock e a mesma energia da banda paulista.
Parceria
Cinco anos depois do CD, "O Anel", parceria de Alaíde Costa e José Miguel Wisnik, ganha edição em LP pelo selo Circus. O álbum marca uma parceria de mais de 50 anos com 10 faixas - sendo três inéditas - que retratam uma troca genuína de carinhos. "Saudade da saudade" prova isso.
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