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O que Bolsonaro pode e o que não pode
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Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

O que Bolsonaro pode e o que não pode

O presidente entregou os pontos sobre o voto impresso e admite não ser candidato. Isso é problema dele. Não dá é para desacreditar o processo que o levou aonde ele estar, mas não aceita para eventualmente tirá-lo de lá
Tipo Opinião
Ex-presidente Jair Bolsonaro (Foto: MIGUEL SCHINCARIOL / AFP)
Foto: MIGUEL SCHINCARIOL / AFP Ex-presidente Jair Bolsonaro

 

O presidente Jair Bolsonaro entregou os pontos em relação ao voto impresso. "Eu não acredito mais que passe na Câmara o voto impresso, tá? A gente faz o possível. Vamos ver como é que fica aí", falou ontem em frente ao Palácio da Alvorada.

Diante disso, Bolsonaro cogita não disputar a eleição. "Agora, participar de uma eleição com essa urna eletrônica... Alguns falam: 'Ah, o Bolsonaro foi reeleito tantas vezes com o voto eletrônico'."

Bom, vamos lá. "Alguns falam" não. Ele foi candidato e foi reeleito, assim como os filhos, sucessivamente com a urna eletrônica. Ora, "alguns falam". Agora, se ele hoje acha que não é legítimo, ele tá certo em não concorrer num processo no qual ele não acredita.

Porém, Bolsonaro não para aí. Ele nunca para na razoabilidade. Ele joga com suas ameaças. "Eu entrego a faixa para qualquer um, se eu disputar a eleição, né? Se eu disputar, eu entrego a faixa para qualquer um. Uma eleição limpa."

Bom, e se não entregar a faixa, ele faz o quê? Quer ficar como presidente além do mandato? Quer dar um golpe?

O Brasil tem urna eletrônica desde 1996. São 25 anos. Foram 13 eleições e um referendo. Nelas, PSDB ganhou e perdeu. PT perdeu, ganhou e perdeu de novo. Bolsonaro se elegeu.

Bolsonaro foi candidato, e eleito, esse tempo todo. Desde o início até 2018, foi deputado federal. Nunca apresentou projeto para ter voto impresso. Elegeu-se por esse mecanismo, mas não quer reconhecer que seu sucessor seja eleito da mesma forma. Por quê? Porque o alecrim dourado que nasceu no campo sem ser semeado resolveu que não aceita? O sistema que serviu para colocá-lo lá pode também tirá-lo de lá. É assim nas democracias.

Bolsonaro é um moleque birrento, apoiado por outros tantos moleques birrentos.

Dom Aloísio Lorscheider faz falta, ainda mais em momentos como este(Foto: Edimar Soares 10/10/2006)
Foto: Edimar Soares 10/10/2006 Dom Aloísio Lorscheider faz falta, ainda mais em momentos como este

A novidade é que perderam a vergonha

Dom Aloísio Lorscheider foi o mais importante bispo da história de Fortaleza. No conclave de 1978, recebeu votos para ser papa. Inclusive, do cardeal italiano Albino Luciani, que acabaria se tornando o pontífice João Paulo I. Franciscano, dom Aloísio defendia reforma agrária, direitos dos povos indígenas, dos presos políticos, era a favor de greves, das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), da Teologia da Libertação e do exercício de funções litúrgicas e trabalho de evangelização por padres casados, mesmo afastados do sacerdócio. Quando havia repressão a protestos no Centro de Fortaleza, era recorrente que os manifestantes corressem para a catedral ou à residência episcopal, onde eram acolhidos.

Foi presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) de 1971 a 1979, do auge à decadência da ditadura. Em março de 1994, dom Aloísio passou mais de 18 horas como refém no Instituto Penal Paulo Sarasate (IPPS). Uma rebelião estourou enquanto ele falava contra as condições a que os presos eram submetidos. Ao ser libertado, disse que seguiria a defender o direito dos detentos e um tratamento humanitários e justo. 

Dom Aloísio era amado pelo povo, o que não significa que as posições não sofressem resistências. Inclusive ameaças de morte. Recebia ligações anônimas de vozes que, do outro lado da linha, faziam "advertências". Em meados da década de 1980, jogaram veneno e mataram um a um os cachorros pastores alemães que ele criava no quintal. Homens armados chegaram a tentar invadir a residência episcopal, por trás do Seminário da Prainha. Eles ameaçaram atirar contra freiras que administravam a casa e contra o vigilante, mas foram contidos.

Na madrugada de 21 de fevereiro de 1987, bomba de fabricação caseira foi lançada no terraço da residência. O cardeal atribuiu o episódio a "pessoas que estão descontentes com a atuação da Igreja nas reformas agrária e urbana e que pretendem criar um clima de medo e intimidação. Pessoas que não aceitam o intercâmbio de ideias e não aceitam as manifestações próprias de uma sociedade democrática, como a participação do povo na vida política."

Na edição de 21 de fevereiro de 1987, O POVO registrou o atentado daquela madrugada(Foto: O POVO.DOC)
Foto: O POVO.DOC Na edição de 21 de fevereiro de 1987, O POVO registrou o atentado daquela madrugada

A hostilidade ao padre Lino Allegri na Igreja da Paz é a nova feição de um fenômeno antigo. Esse tipo de covardia sempre existiu. A diferença é que ele antes era anônimo, não mostrava o rosto. Agora, nem se escondem mais. A truculência, a intolerância e o desrespeito perderam a vergonha. Estufam até o peito de orgulhosos.

Aliás, que falta dom Aloísio faz. Mais ainda em momentos como este.

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Dom Aloísio no O POVO de 22 de fevereiro de 1987: sem espanto com explosão, que pensou até ser um trovão(Foto: O POVO.DOC)
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