Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista
Paulo Amador da Cunha Bueno acha que não tem nada demais se reunir com comandantes para discutir golpe, afirma que Bolsonaro poderia tê-los substituído para dar golpe e afirma que ex-presidente fez tudo para que apoiadores reconhecessem resultado da eleição
Foto: Rosinei Coutinho/STF
Defesa de Bolsonaro foi feita pelos advogados Paulo Bueno e Celso Vilardi
A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) era, naturalmente, a mais aguardada no julgamento da ação penal do plano de golpe no Supremo Tribunal Federal (STF). Ela foi feita em duas partes. Dividiram-se Celso Vilardi e Paulo Amador da Cunha Bueno.
Vilardi usou quase todo o tempo. Ele passou a chefiar a defesa desde o início do ano, no lugar de Bueno que, contudo, seguiu na equipe. Pode-se concordar ou não com os argumentos, mas a sustentação dele foi muito bem feita, sólida e com fundamentos. Concentrou-se principalmente na parte processual, ao questionar a delação de Mauro Cid, apontar que não teve as mesmas condições ou prazos da acusação para produzir provas e apontar vícios que teriam ocorrido na produção de provas.
Bueno, com parcela muito menor do tempo, entrou nas denúncias propriamente ditas, na tentativa de desvincular Bolsonaro de ações golpistas. Nesse ponto — não falo do aspecto jurídico, mas político e jornalístico — foi pouquíssimo convincente. Chegou a ser sonso.
Em dado momento indagou: “Reunião com comandantes de Forças onde se discutiram mecanismos constitucionais é um ato de força ou de grave ameaça?” Depende do que estavam discutindo. Conversar sobre decretar estado de sítio não é crime. Mas cogitar esse decreto porque perdeu a eleição, como parte de uma trama para impedir a posse do governo eleito, isso é muito crime e muito golpe. Usar indevidamente instrumentos constitucionais para contestar uma eleição perdida e impedir a posse de um governo é bastante criminoso.
Mais que isso. O artigo 136 da Constituição prevê decreto de estado de defesa, em locais restritos e determinados, para preservar ou restabelecer "a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza". A GLO, conforme o artigo 15, parágrafo 2º da lei complementar 97/1999, deve ser aplicada quando esgotadas as possibilidades das forças tradicionais de segurança pública, em situações de grave perturbação da ordem.
Qual ameaça à ordem pública ou à paz social havia no fim de 2022 e começo de 2023? Qual motivo para eventual esgotamento dos "instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio"?
Era exatamente a agitação promovida por apoiadores de Bolsonaro, acampados em frente aos quartéis pedindo golpe. Golpe, sem meias palavras, sob permissividade do então governo — e, constatou-se, com incentivo e orientação também. Tentou-se invadir a Polícia Federal, em Brasília. Explosivos foram colocados em caminhão com 60 mil litros de querosene na área do aeroporto de Brasília, lotado em pleno Natal. O motor para a discussão sobre decretos era, então, a agitação promovida pelos simpatizantes do próprio governo.
Num eventual estado de defesa decretado no local restrito e determinado da Praça dos Três Poderes, a autoridade de polícia seria transferida às Forças Armadas. Haveria restrição a direito de reunião e sigilo das comunicações.O Executivo passaria a ter ascendência sobre os demais poderes sem precedentes em tempos democráticos.
Portanto, caro advogado, uma reunião nesses termos é, bastante, ato de força ou grave ameaça.
Bastava trocar os comandantes, ora
Bueno prosseguiu ao afirmar que não é verdade que o golpe deixou de ocorrer porque os comandantes militares não concordaram. Ele faz um raciocínio tão simplório que se torna obtuso. Diz que, se assim quisesse, Bolsonaro teria substituído aqueles que não concordaram com o plano. O advogado parece zombar da inteligência alheia.
Se, a semanas de deixar o cargo, o ex-presidente substituísse os chefes das Forças, seria escancarar para a sociedade que havia algo de muito anormal. Ainda mais com a agitação em curso, o presidente sem fazer um gesto para reconhecer o resultado da eleição, os acampamentos diante dos quartéis, a mobilização de fanáticos nas redes. Só se esperasse que ele colocasse logo um anúncio de insurreição para passar na hora da novela. Era caso de ser preso em flagrante, ainda mais pelos que fossem demitidos depois de lhes ter sido proposto que dessem um golpe.
Além do mais, imaginar que novos comandantes iriam cair de paraquedas e já liderar um levante contra a ordem constitucional é fazer um juízo sobre as Forças Armadas que é demais até para a história brasileira. Trata-se de algo que o próprio Bolsonaro nunca ignorou. Quando colocou o cearense Paulo Sérgio Nogueira como ministro da Defesa, ele salientou o fato de o general “ter a tropa na mão”. Não é algo automático, que vem com a nomeação. Ainda mais quando está em questão a adesão a uma ruptura institucional.
Sinais de Bolsonaro
Bueno foi mais longe. Sobre a postura de Bolsonaro após encontrar os chefes das Forças, ele disse: “Os atos posteriores do presidente foram totalmente voltados a desestimular seus apoiadores e seus eleitores a qualquer forma de não reconhecimento da vitória eleitoral do presidente Lula”. Aí é ir além de qualquer limite. O sujeito nunca chegou a reconhecer a derrota. Foi para os Estados Unidos para não passar a faixa. Vários auxiliares emitiam mensagens que estimulavam delírios. O ex-presidente agiu, sim, para pedir para não bloquearem estradas, com medo do impacto na economia. Logo foi obedecido. Se tivesse pedido para reconhecerem o resultado eleitoral e irem para casa, tudo teria cessado e o 8 de janeiro e atos relacionados jamais teriam ocorrido. Ele se omitiu, e fez mais que isso.
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