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Coisas que estão acima da política e a responsabilidade que o PSB tem com o Ceará
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Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

Coisas que estão acima da política e a responsabilidade que o PSB tem com o Ceará

Eleição em Santa Quitéria ocorre após a cassação do prefeito, acusado de se valer de facção criminosa para intimidar adversário. O partido lançou o prefeito interino, filho do cassado, e finge que nada aconteceu
Tipo Opinião
FOTOS anexadas ao processo mostram pichações com ameaças nas eleições de Santa Quitéria (Foto: Reprodução/Processo 0600607-82.2024.6.06.0054)
Foto: Reprodução/Processo 0600607-82.2024.6.06.0054 FOTOS anexadas ao processo mostram pichações com ameaças nas eleições de Santa Quitéria

Ocorre neste domingo, 26, uma eleição histórica para o Ceará. Santa Quitéria, a 223 quilômetros de Fortaleza, escolherá o próximo prefeito ou prefeita, um ano depois do pleito anterior. O motivo foi a cassação do gestor reeleito em 2024 — José Braga Barrozo, o Braguinha (PSB). Ele já havia sido afastado durante grande parte do primeiro mandato, em investigação sobre suspeitas de corrupção em contratos públicos. No ano passado, porém, a situação se tornou bem mais extrema. O então chefe do Executivo foi denunciado por supostamente "contratar" facção criminosa com objetivo de interferir na campanha. No dia em que tomaria posse no novo mandato, Braguinha foi preso.

O julgamento que confirmou a perda do mandato dele, no Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE), em 1º de julho deste ano, foi classificado pelo relator, Luciano Nunes Maia Freire, como o "caso mais emblemático, mais grave e ultrajante com que a Justiça Eleitoral deste Estado já se deparou". Não é exagero.

O PSB é o maior partido em prefeituras e possui a maior bancada na Assembleia Legislativa cearense. Tem um prefeito cassado e preso — Braguinha. Outro, Bebeto Queiroz, de Choró, está foragido por acusação de corrupção relacionada a emendas parlamentares. A suspeita também envolve facção. Uma comissão de ética foi instalada pelo partido, que vem empurrando a questão com a barriga. Em julho, após meses de embromação, o argumento apresentado foi de que os processos estavam em segredo de Justiça. Conversa fiada.

Àquela altura, Braguinha já estava condenado pelo TRE-CE. O acórdão está disponível. Na sequência, Bebeto já foi cassado também. O PSB é grande demais. Recebeu do eleitor a responsabilidade de governar grande parte da população cearense. Não tem o direito de ser omisso e negligente sobre denúncias tão sérias.

A acusação envolve interferência de facção criminosa na política. Uma questão seríssima no Ceará, talvez hoje mais do que qualquer outra. O candidato do partido nesta eleição é Joel Barroso, filho de Braguinha. É o presidente da Câmara e, como titular e vice perderam os mandatos, ele já comanda a Prefeitura interinamente. Obviamente ele não pode responder pelas acusações que pesam contra o pai, mas o partido não pode tratar politicamente como se não existisse a situação.

A legenda tem direito de defender seus filiados, eventualmente dizer que as condenações foram injustas. Mas que tenha a coragem de enfrentar o debate público. É preciso algo muito forte para se contrapor a elementos tão sérios.

Sugestão de leitura para Cid Gomes

O senador Cid Gomes (PSB) até fez isso em relação ao deputado federal Júnior Mano, quando alvo de operação da Polícia Federal — relacionada, aliás, ao caso de Bebeto. Ele disse que leu o inquérito contra o parlamentar e não encontrou nada. Então tá. Mas será que ele leu a decisão do TRE-CE sobre Santa Quitéria? O link está aqui. Fica a sugestão.

Alguns pontos que trago resumidamente: as denúncias envolvem pichações e mensagens telefônicas para intimidar eleitores do adversário, Tomás Figueiredo (MDB), coação para esvaziar atos de campanha e telefonema para ameaça de incendiar o Cartório Eleitoral e matar os servidores. Há fotos e prints para provar.

Algumas das pichações: "Se apoia o Tomás vai entrar no problema com a tropa do Paulinho Maluco"; "Fora Tomás 15. VCV"; "Sair nois vem e bota fogo em tudo"; "Vai entrar no problema. Fora Tomás"; "Quem apoia o Tomás vai arruma problema com a tropa vai entrar na bala. Ass. Paulinho Maluco".

Uma mensagem enviada a um eleitor identificado como Cícero afirma: "Lhe avisa seu Cícero, nessa política nois vai foca em cima dos cabos eleitorais do tomas Figueiredo, se o senhor não quiser nenhum problema com o crime da cidade o senhor fica de boa, sem ser cabo eleitoral de tomas ok".

"Terrorismo interno"

Perícias em telefones apreendidos encontraram ordens para expulsar do Município eleitores que se manifestassem em redes sociais a favor da candidatura adversária, destruir veículos com adesivos e realizar atentados contra estabelecimentos comerciais que abrigassem eleitores do outro candidato. A sentença de primeira instância se refere às ações como "terrorismo interno" e relata que os autores foram orientados pelo chefe a omitir qualquer alusão a Braguinha.

Carro de luxo para traficante

A investigação apontou que o prefeito cassado mantinha nos quadros da administração "pessoas comprovadamente ligadas à facção criminosa". É apontado que o então gestor que concorria à reeleição autorizou, se não tiver mandado, dois funcionários comissionados, próximos a ele, levarem um carro de luxo à favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, para entregar a Anastasio Pereira Paiva, conhecido como "Doze" ou "Paulinho Maluco". Tratava-se de um carro de luxo, Mitsubishi Eclipse. Nele havia ainda a quantia de R$ 1,2 milhão. A inteligência localizou inclusive fotos do veículo em deslocamento. Quando o fato foi revelado, o então prefeito exonerou os servidores.

Conclusões do relator

O relator escreveu no voto: "(...) há provas robustas obtidas nas investigações criminais e na instrução desta AIJE (ação de investigação judicial eleitoral) de que foi missão do Comando Vermelho favorecer a chapa de José Braga Barrozo e Francisco Gardel nas eleições de 2024, com coação e ameaça a eleitores que demonstrassem apoio aos adversários políticos".

E ainda: "Diante desse abominável cenário de criminalidade, é evidente que o ambiente eleitoral ficou excessivamente nocivo, o que permite concluir que o pleito municipal de 2024 de Santa Quitéria encontra-se viciado e totalmente divorciado do verdadeiro sistema democrático. Com efeito, é inegável que a vontade do eleitor, que deve ser manifestada, nas urnas, de forma livre e espontânea, na eleição de seus representantes, no caso concreto, fora absolutamente corrompida pelos atos daquela organização criminosa".

E acrescenta: "Violada a integridade da eleição de 2024 em Santa Quitéria de forma flagrante, violenta, ilícita, lamentável e imoral. Inequivocamente afrontada a legitimidade e lisura do pleito, a isonomia entre os candidatos, a liberdade do voto e a igualdade na disputa, talvez de forma nunca vista nesta Justiça, diante da gravidade dos fatos e da robustez da prova".

A situação que o Ceará enfrenta em relação às facções criminosas exigiria repúdio de todos os políticos, independentemente de futricas partidárias. Santa Quitéria não é mais um caso. É o mais explicitamente agressivo e escancaradamente comprovado.

Quem fez do PSB uma potência política foi o eleitor. A legenda tem dever de responsabilidade e compromisso perante a população. Se há argumentos para confrontar tantas provas contundentes, que o debate público seja travado. Se não, é uma nova violência dar respaldo político a qualquer aliado dos condenados.

Não, jamais uma situação tão grave pode ser deixada de lado em nome de acordos políticos e jogos de poder.

Foto do Érico Firmo

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