Logo O POVO+
O que falta esclarecer no depoimento do porteiro
Foto de Érico Firmo
clique para exibir bio do colunista

Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

O que falta esclarecer no depoimento do porteiro

Bolsonaro não estava no condomínio e apareceu uma gravação mostrando diálogo ao qual o porteiro não fez menção. São dois pontos que fragilizam demais um depoimento tão grave
Tipo Análise
Presidente Jair Bolsonaro (Foto: FÁTIMA MEIRA/FUTURA PRESS)
Foto: FÁTIMA MEIRA/FUTURA PRESS Presidente Jair Bolsonaro

O depoimento do porteiro que vincula Jair Bolsonaro (PSL) ao assassinato de Marielle Franco tem fragilidades incontornáveis até aqui. Não se sustenta. É preciso fundamento sólido para denúncia com tantas implicações. Há o aspecto policial, que é gravíssimo. Duas pessoas foram assassinadas de forma brutal. E há o componente político, envolvendo o presidente da República. Pela gravidade do assunto, a questão precisa ser tratada com absoluta responsabilidade. As inconsistências derrubam o depoimento.

Há dois problemas centrais. Um deles estava exposto na reportagem do Jornal Nacional. O porteiro disse que Élcio de Queiroz entrou no condomínio de Ronnie Lessa no dia do crime, em 14 de março de 2018. Os dois são suspeitos pelo assassinato de Marielle. Élcio teria pedido para ir à casa de Bolsonaro, então deputado federal, que mora no mesmo condomínio, o Vivendas da Barra. O porteiro relatou que telefonou para a residência, “seu Jair” atendeu e autorizou a entrada.

Ocorre que Bolsonaro, naquele dia, estava em Brasília. Registrou presença na Câmara e gravou vídeo no gabinete. Levanta-se a hipótese de o porteiro ter telefonado para o celular de Bolsonaro. Não é o que informou no depoimento. Ele disse que ligou para a casa. Há tecnologias que redirecionam ligações do interfone para o celular. Isso pode ter ocorrido. Porém, até o momento não há informação nesse sentido. Há conjecturas para tentar sustentar um relato que se encontra sob fundamentados questionamentos. Por ora, as informações não batem.

A outra incongruência, mais grave, foi exposta pelo vereador Carlos Bolsonaro (PSC), filho do presidente e morador do mesmo condomínio. Ele divulgou os registros das gravações da portaria. No horário em que o porteiro registrou por escrito que Élcio procurou Bolsonaro, não consta qualquer gravação de contato com a casa 58, onde mora o hoje presidente.

Ouça o áudio do contato da portaria com a casa de Ronnie Lessa:

Nas redes sociais, logo se cogitou que a gravação pode ter sido apagada. É possível, claro. O que pesa contra o depoimento nem é a ausência da gravação. Mais relevante é a existência de outro áudio. Ele mostra uma ligação para a casa 65, de Ronnie Lessa. Nesse contato a entrada é autorizada.

Esse diálogo é importante porque o porteiro não fez, no detalhado relato, qualquer menção a ligação para a casa de Lessa. Ele conta de duas ligações para a casa de Bolsonaro, e teria falado com o hoje presidente em ambas. A segunda para informar que Lessa teria se dirigido a outra residência, do que Bolsonaro teria dito estar ciente. O áudio mostra que a entrada teria sido autorizada por outra pessoa.

Provas testemunhais são relevantes, mas têm fragilidades. Tal depoimento, por si só, não serviria - ou não deveria servir - para incriminar ninguém. Para envolver o presidente da República num homicídio, precisaria, então, ser tremendamente consistente, coerente, bem embasado. Tem-se justo o oposto. O que não significa que não haja muito a esclarecer.

Escute as gravações das ligações da portaria para as residências de Bolsonaro e Carlos:

O QUE FALTA EXPLICAR

A reportagem do Jornal Nacional cita registro da portaria, preenchido pelo porteiro, informando que ele iria à casa de Bolsonaro. O registro foi preenchido com informação incorreta? Já naquele 14 de março de 2018? Com qual objetivo? Ou, o registro

foi posteriormente adulterado? Uma perícia pode apontar isso.

Por que o porteiro inventaria a história? Prejudicar Bolsonaro é uma possibilidade óbvia. Mas, se o plano remete a março de 2018, não seria mais lógico estourar na campanha do ano passado? Seria para proteger Ronnie Lessa? Eventualmente, para amarrá-lo a Bolsonaro na tentativa de levar o caso para o Supremo Tribunal Federal (STF)? São possibilidades, mas não há conclusões possíveis no momento. O caso não se encerrou.

E há os aspectos absolutamente questionáveis. Bolsonaro determinou ao ministro da Justiça, Sergio Moro, que a Polícia Federal investigue o assunto. Ora, Bolsonaro é parte interessada. A PF não pode ser acionada conforme suas demandas pessoais.

Foto do Érico Firmo

É análise política que você procura? Veio ao lugar certo. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?