
Professor da Universidade Regional do Cariri (Urca) e advogado. Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia
Professor da Universidade Regional do Cariri (Urca) e advogado. Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia
Amanhã, o STF começa a proferir seus votos na Ação Penal 2668, que julga, neste núcleo, Bolsonaro e mais 7 réus pelos crimes de organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano contra o patrimônio da União, e deterioração de patrimônio tombado.
Muito embora bolsonaristas vociferem que este julgamento tem suas cartas já marcadas e que o resultado já está dado de antemão, nada disso é verdade. Na condição de professor, de pesquisador do direito e dos fenômenos jurídicos, preciso destacar que a Primeira Turma do STF está diante de sofisticados dilemas do direito penal contemporâneo, alguns até mesmo inéditos, sem qualquer jurisprudência nacional anterior.
O caso não se limita à responsabilização individual dos acusados: exige reflexão sobre quando se inicia a execução de um crime, cujo tipo penal é a tentativa; sobre o princípio da consunção; os critérios e a proporção na dosimetria da pena; e a forma de individualizar condutas em crime de organizações criminosas.
O primeiro ponto de tensão no debate jurídico reside na definição do marco inicial dos crimes de Golpe de Estado e de Abolição Violenta do Estado de Direito. A tradição penal distingue atos preparatórios, que não se punem, de atos executórios, que são puníveis mesmo quando não atingem sua finalidade. Essa fronteira não é simples no inédito julgamento desses dois crimes específicos.
Um ato deve ser inequívoco e colocar em risco concreto o bem jurídico tutelado (o governo legitimamente constituído, o estado democrático, o livre e regular exercício dos poderes) para ser considerado execução. Reuniões, discussões, produção de minutas, articulações, sondagens, que em outros tipos penais poderiam ser considerados atos preparatórios; pela natureza dos crimes de Golpe de Estado e de Abolição do Estado Democrático, serão tomados como atos de execução, puníveis, portando.
Outro aspecto essencial é a aplicação do princípio da consunção, pelo qual crimes menos graves, quando constituem meio necessário para outro mais grave, são absorvidos. Há casos em que é preciso depor um governo legitimamente eleito para abolir o estado democrático; em outros, não. Há casos em que é preciso restringir o exercício regular dos poderes constitucionais para depor um governo legitimamente eleito; em outros é possível instrumentalizar os poderes constitucionais para, com desvio de finalidade, depor um governo legitimamente eleito e dar a isso ares de legalidade. Há exemplos históricos de autonomia entre os crimes de golpe de estado e abolição da democracia; e há também exemplos nos quais um foi meio para a realização do outro. O que aconteceu no Brasil entre 2022 e 2023?
Como se vê, a AP 2668 não será apenas um julgamento sobre fatos passados, mas uma oportunidade de reafirmar princípios estruturantes da democracia e do direito penal brasileiro.
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