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AP 2668: lições jurídicas de um julgamento sem precedentes
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Professor da Universidade Regional do Cariri (Urca) e advogado. Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia

AP 2668: lições jurídicas de um julgamento sem precedentes

Na condição de professor, de pesquisador do direito e dos fenômenos jurídicos, preciso destacar que a Primeira Turma do STF está diante de sofisticados dilemas do direito penal contemporâneo, alguns até mesmo inéditos, sem qualquer jurisprudência nacional anterior
Tipo Opinião
DEFESA de Bolsonaro foi feita pelos advogados Paulo Bueno e Celso Vilardi (Foto: Rosinei Coutinho/STF)
Foto: Rosinei Coutinho/STF DEFESA de Bolsonaro foi feita pelos advogados Paulo Bueno e Celso Vilardi

Amanhã, o STF começa a proferir seus votos na Ação Penal 2668, que julga, neste núcleo, Bolsonaro e mais 7 réus pelos crimes de organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano contra o patrimônio da União, e deterioração de patrimônio tombado.

Muito embora bolsonaristas vociferem que este julgamento tem suas cartas já marcadas e que o resultado já está dado de antemão, nada disso é verdade. Na condição de professor, de pesquisador do direito e dos fenômenos jurídicos, preciso destacar que a Primeira Turma do STF está diante de sofisticados dilemas do direito penal contemporâneo, alguns até mesmo inéditos, sem qualquer jurisprudência nacional anterior.

O caso não se limita à responsabilização individual dos acusados: exige reflexão sobre quando se inicia a execução de um crime, cujo tipo penal é a tentativa; sobre o princípio da consunção; os critérios e a proporção na dosimetria da pena; e a forma de individualizar condutas em crime de organizações criminosas.

O primeiro ponto de tensão no debate jurídico reside na definição do marco inicial dos crimes de Golpe de Estado e de Abolição Violenta do Estado de Direito. A tradição penal distingue atos preparatórios, que não se punem, de atos executórios, que são puníveis mesmo quando não atingem sua finalidade. Essa fronteira não é simples no inédito julgamento desses dois crimes específicos.

Um ato deve ser inequívoco e colocar em risco concreto o bem jurídico tutelado (o governo legitimamente constituído, o estado democrático, o livre e regular exercício dos poderes) para ser considerado execução. Reuniões, discussões, produção de minutas, articulações, sondagens, que em outros tipos penais poderiam ser considerados atos preparatórios; pela natureza dos crimes de Golpe de Estado e de Abolição do Estado Democrático, serão tomados como atos de execução, puníveis, portando.

Outro aspecto essencial é a aplicação do princípio da consunção, pelo qual crimes menos graves, quando constituem meio necessário para outro mais grave, são absorvidos. Há casos em que é preciso depor um governo legitimamente eleito para abolir o estado democrático; em outros, não. Há casos em que é preciso restringir o exercício regular dos poderes constitucionais para depor um governo legitimamente eleito; em outros é possível instrumentalizar os poderes constitucionais para, com desvio de finalidade, depor um governo legitimamente eleito e dar a isso ares de legalidade. Há exemplos históricos de autonomia entre os crimes de golpe de estado e abolição da democracia; e há também exemplos nos quais um foi meio para a realização do outro. O que aconteceu no Brasil entre 2022 e 2023?

Como se vê, a AP 2668 não será apenas um julgamento sobre fatos passados, mas uma oportunidade de reafirmar princípios estruturantes da democracia e do direito penal brasileiro.

 

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