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"Só sei que nada sei"
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Psicoterapeuta sistêmico com especialização em Psicologia Transpessoal e Psicoterapia Somática Integrada. Viveu na Índia onde se aprofundou em diversas abordagens terapêuticas e de meditação. Fez cursos e supervisão em Constelação Familiar com Bert e Sophie Hellinger e foi o introdutor da Constelação no Ceará; Ashara atende individualmente e ministra cursos de formação em Constelação em diversas cidades do Brasil. Veja mais: www.ashara.com.br

Guilherme Ashara comportamento

"Só sei que nada sei"

A cura da nossa criança emocional é o que nos levará ao nosso preenchimento e realização em todos os níveis - físico, material, mental e emocional. Em outras palavras, aquilo que procuramos fora está dentro de nós mesmos.
Tipo Análise
Gratidão (Foto: mohamed nohassi/unsplash)
Foto: mohamed nohassi/unsplash Gratidão


Vivi um trauma quando criança que considero o principal responsável pelas dificuldades e sofrimentos que senti durante toda a minha vida. Por outro lado, esse trauma é também uma energia impulsionadora que me faz crescer até hoje. No final desse artigo dou os passos de como você pode lidar com sua ferida emocional.

Eu tinha apenas cinco anos e brincava inocentemente na garupa da bicicleta do meu irmão mais velho quando inadvertidamente coloquei meu dedo na corrente da bike, cortando a ponta do dedão e a unha. Nosso pai quando me viu berrando de dor e percebeu o ocorrido, pegou meu irmão pelo braço e lhe deu uma tremenda surra e, em seguida, prendeu meu irmão em um quarto como castigo. Eu, claro, presenciei tudo.

Essa imagem ficou apagada da minha memória por quase 30 anos, até o momento que comecei a fazer terapia e meditação. Foi quando, aos poucos, fui relembrando o que havia acontecido e como aquela ferida havia marcado toda minha vida.

A cada vez que relembrava essa cena, revivia algo novo dessa experiência. No início, só percebia as sensações incômodas no meu corpo-mente. Em seguida comecei a relacionar com diversos medos e inseguranças que eu sentia, como, por exemplo, o medo de violência e de confrontação.

A partir dessa experiência eu aprendi a me comportar. Entendi que se eu levar algo que meu pai não gosta para casa, posso também ser espancado. Então me tornei uma criança-exemplo. Eu era o melhor aluno na escola; e na alfabetização quando acertava uma pergunta e meu coleguinha errava, a professora me dava uma palmatória pra que eu batesse no meu amigo. Eu batia bem devagar, porque entendia que se errasse uma outra pergunta, eu apanharia também.

Aos poucos fui aprendendo as estratégias de sobrevivência e entendi que se eu fosse bem educado e tirasse boas notas teria boas recompensas e meus pais gostariam de mim. O que eu não entendia é que eu estava perdendo a minha inocência e começando já na infância a viver uma política de barganha e concessões.

Eu lembro que, na adolescência, eu gostava de fazer danações, e era mestre em esconder e disfarçar. Raramente me pegavam em algo errado que eu fazia.

Quando comecei a trabalhar, aos 21 anos, em um grande banco federal aqui em Fortaleza, comecei a perceber o quanto eu reprimi meus sentimentos.

 

"Comecei a compreender que o que eu achava que era, era simplesmente uma personalidade adquirida até então." Guilherme Ashara, terapeuta

 

Até então eu vivia uma vida bem regrada, bem comportada e extravasava nos esportes. Eu praticava corrida, pegava onda na praia, jogava ping-pong, vôlei, e futebol. Com dinheiro, eu comecei a conhecer os prazeres da carne, experimentando sexo, drogas e ‘rock and Roll’.

Devo ter passado uns sete anos extravasando o que havia reprimido nos meus primeiros vinte e um anos de vida. Com aproximadamente 25 anos, descobri a meditação e percebi que existia um mundo que eu desconhecia - o mundo interior. Com 28 anos, decidi que queria me conhecer interiormente, queria descobrir quem eu verdadeiramente era.

Comecei a compreender que o que eu achava que era, era simplesmente uma personalidade adquirida até então. Eu era considerado uma pessoa inteligente, funcionário de um banco federal, ganhava bem, era economista, tinha carro, moto, apartamento e eu mesmo acreditava que era tudo isso.

Quando comecei a perceber através da meditação e de processos terapêuticos que aquilo tudo o que eu acreditava ser eram apenas condicionamentos e crenças adquiridas de fora pra dentro, confesso que fiquei um pouco assustado. A razão é que eu estava compreendendo quem eu não era, mas ainda não sabia quem eu era.

Foi aí que entrou uma expressão muito importante na minha vida: “só sei que nada sei”, do filósofo grego Sócrates. Vivi anos, talvez décadas com essa frase ressoando com significado na minha vida. Uma outra que escrevi numa carta para meu pai quando sai de casa foi: “quero descobrir a vida por mim mesmo”.

Essas expressões se aprofundaram tanto em mim que até hoje procuro descobrir a verdade e não acreditar no que me dizem. E tudo que vivo, falo ou escrevo nascem da minha própria verdade, por mais que tenho tido alguns grandes Mestres, como Osho e Bert Hellinger; e dezenas de excelentes professores que me indicaram a direção da minha autenticidade e individualidade.

Compreendi por experiência que para encontrar a cura ou a integração emocional precisamos dar alguns passos:

1º - Reconhecer nosso trauma raiz que podemos simbolizar como a nossa criança emocional ferida. No meu exemplo, o meu trauma seria o meu choque ao ver meu irmão sendo surrado;

2º - Observar a identificação, isto é, perceber que não somos o que achamos que somos ou o que carregamos. No meu caso, medroso, envergonhado, inadequado; ou as identificações positivas: inteligente, economista, bem-sucedido. Somos algo além de tudo isso.

3º - Compreender que o que aparentamos, tanto quanto as feridas que trazemos não são a nossa natureza, são experiências e condicionamentos que foram introjetados pelo nosso sistema familiar, social e religioso, sobre os quais não tivemos nenhum controle.

Krishnananda, um dos meus professores, no seu livro "O amor não é um jogo de criança" enfatiza: “Se não entendermos ou não tomarmos distância de medos, carências e comportamentos da criança emocional, nossa vida será muito sofrida e ela (a ferida) será responsável pela maioria dos nossos problemas, principalmente os de relacionamento.”

E eu complemento que a cura da nossa criança emocional é o que nos levará ao nosso preenchimento e realização em todos os níveis - físico, material, mental e emocional. Em outras palavras, aquilo que procuramos fora está dentro de nós mesmos.

Namastê!

 

Foto do Guilherme Ashara

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