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Amapá: o verdadeiro Eldorado brasileiro
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Guilherme Gonsalves escreve sobre política cearense com foco nas atuações Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece) e Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor), mostrando os seus bastidores desdobramentos no jogo político e da vida do cidadão. Repórter de Política do O POVO, setorista do Poder Legislativo, comentarista e analista. Participou do programa Novos Talentos passando pelas editorias de Audiência e Distribuição e Economia, além de Política. Também escreve sobre cinema para o Vida&Arte

Amapá: o verdadeiro Eldorado brasileiro

Um dos estados mais esquecidos do Brasil é o centro das atenções por possuir riquezas que o levariam a status de "Dubai brasileira" em meio a debate ambiental
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Fortaleza de São José de Macapá (Foto: Agência Amapá)
Foto: Agência Amapá Fortaleza de São José de Macapá

"Tente o leitor visionar subjetivamente uma paisagem onde a natureza se tivesse quintessenciado, onde o Supremo Artista torturasse a sua imaginação até criar, pintar com o seu próprio sangue, a maravilha que não mais esquece. A nossa pena sente-se inerte ao tentar descrever a feeira, a bacanal de tintas as mais díspares. A plástica e o desenho, o colorido e a forma, conjugam-se no mais íntimo parentesco".

O madeirense Alfredo Gonsalves, tio-bisavô deste colunista que vos escreve, assim descreveu um território contestado franco-brasileiro em um livro sobre suas vivências de um olhar europeu em um período onde comerciantes de todas as partes do mundo vinham em busca de riquezas. O território é banhado pelas águas do Oceano Atlântico, cursado pelo rio Jari, delimitado pelo rio Oiapoque e pelos montes Tumuc-Humac, já chamado Paricura, Nueva Andaluzia, Cabo do Norte, Guiana Brasileira, e agora Amapá.

Lá está o município do Oiapoque. Certamente você já ouviu a expressão do Oiapoque ao Chuí — refere-se ao ponto do extremo norte do país, apesar de não ter mais essa alcunha. "Aqui começa o Brasil", diz uma placa na cidade.

Capital do Amapá, o município de Macapá é a única capital brasileira cortada pela Linha do Equador. Por isso é chamado de município do "meio do mundo", por estar localizada tanto no hemisfério norte como sul. Na margem do rio Amazonas está a Fortaleza de São José de Macapá, uma das maiores construções portuguesas fora de Portugal. Além destes, o Estado guarda curiosidades e histórias únicas. Sua cultura é principalmente marcada pela origem do povo indígena tucuju e o marabaixo.

Ainda disputado entre França, por meio da fronteira com a Guiana Francesa, e Brasil, além de Inglaterra, com a Guiana Inglesa, antiga Demerara, a região amazônica nem sempre foi lembrada, mas hoje é destaque de um debate complexo sobre riquezas e meio ambiente sobre exploração de petróleo à 175 km da costa do Amapá. Pra entender um pouco sobre o Estado e esse dilema, retorno para quase 100 anos atrás.

Explorações de minérios no Amapá

Em 1932 o irmão de meu bisavô escreveu um dos poucos documentos sobre a região amapaense da época em seu livro intitulado O Verdadeiro Eldorado: O Território d'Amapá - Antigo Contestado Franco-Brasileiro. Como o título já indica, o território tinha muitas riquezas inexploradas. Estes europeus que vieram, entre eles portugueses, franceses e ingleses, para buscar minérios na chama Guiana Brasileira.

Pelos relatos, o Amapá era a região mais rica em minérios da Amazônia. Alfredo conta que o Brasil quase sempre ignorou a riqueza "fabulosa" do ouro e da prata. Quando esse poço foi descoberto, a riqueza foi abundante a ponto de a realidade se misturar com a fantasia como este trecho que retiro da página 50 de seu livro:

"Com o decorrer dos tempo veio a saber-se que (...) lá havia ouro em profusão digamos mesmo, em catadupas... Resplandeciam d'ouro as montanhas, as fontes jorravam o metal, as praias dos rios tinham em vez de areia, ouro em pó, e até para culminar na hipérbole, muitos eram os que não duvidavam que dos céus não chovia água, mas sim gostas douradas do tamanho de peras!".

Se então era riqueza em protuberância, por que o Amapá está entre os 10 estados mais pobres do Brasil e pouquíssimo se sabe sobre ele? O Estado não possui ligação direta com outras unidades da federação, sendo uma "ilha" e dificultando integração para comércio e desenvolvimento. 

O Amapá passou de contestado para parte do Pará. Os negócios eram feitos com Belém e pouco restava para a região. Tornou-se território federal e só em 1988 virou estado. Em um curto tempo de sua longa existência, o Amapá teve independência para se desenvolver. 

Na década de 1940, proprietários de terras levaram trabalhadores — os solados da borracha — para explorarem os seringais, devido à grande demanda por conta da Segunda Guerra Mundial. Em 1950, o manganês foi explorado em massa, levando europeus e brasileiros de outras partes. Até hoje a população sente injustiça de que as riquezas extraídas destas e outras operações não ajudaram a desenvolver o Amapá, mas enriquecer pessoas de fora.

Sua história foi construída por constantes lutas do homem contra a natureza e contra outros homens. José Sarney, ex-presidente da República e ex-senador, tem uma frase que diz que o Amapá é o único estado brasileiro que escolheu ser brasileiro.

Preocupação ambiental

Como mencionei, tenho ascendência familiar no Amapá. É a terra de meu pai e com a qual possuo um grau de parentesco forte. Considero-me um papa-chibé — termo para caracterizar sua ancestralidade, manifestada a partir da comida, natureza e o povo da amazônia. Na minha última ida ao Estado, questionei a alguns sobre o que pensam da exploração do petróleo.

A resposta foi unânime, todos favoráveis. O sentimento era de que, de fato, o Amapá de fato iria despontar como um estado desenvolvido e a promessa de se tornar a "Dubai brasileira" poderia ser realidade. Estudos apontam que as reservas possuem um potencial de até 16 bilhões de barris de petróleo na marguem foz do Amazonas, quatro vezes maior do que as de Dubai.

Porém, a exploração põe em risco um dos ecossistemas mais frágeis do planeta, o Grande Sistema Recifal Amazônico, localizado a 40 km da área de perfuração vasto, complexo e recém-descoberto de 9.500 km² composto por corais e esponjas, cuja existência era considerada improvável em águas turvas como as da foz.

Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da Petrobras advertiu para o potencial de impacto de um vazamento na região como de "nível máximo".

Leia: Petróleo na Foz do Amazonas: contrariando a ciência e os povos

Além disso, a região abriga a maior faixa contínua de manguezais do mundo, um berçário vital para a biodiversidade marinha e um gigantesco sumidouro de carbono, estocando cerca de 1,5 bilhão de toneladas de CO₂ (dióxido de carbono).

Esses ecossistemas são a base da subsistência de milhares de famílias de pescadores artesanais,  indígenas e quilombolas, cujos modos de vida estão intrinsecamente ligados à saúde do estuário. Há pelo menos três terras indígenas, seis territórios quilombolas e 34 unidades de conservação na zona alta de sensibilidade. Sofreriam danos com potencial irreversível em caso de vazamento.

São questões extremamente delicadas e com forte embasamento científico para se ter uma grande preocupação com o que vai ser feito ali. O horizonte pode ser um paraíso desenvolvido e também catastrófico ambientalmente.

De um morador com o qual comentei sobre os dilemas, ele muito efusivo com a possibilidade de riqueza do seu Estado, cheguei a ouvir: "Na nossa vez de ficar rico tem essa preocupação ambiental? Todos vieram explorar nossas riquezas sem essa questão". Geralmente nesses embates entre capital e meio ambiente, o meio ambiente não ganha uma.

O momento político do Amapá

Não foram só exploradores de terras de fora do Amapá que se aproveitam do Estado. Foi assim também na política. José Sarney foi senador pelo Amapá por três mandatos, sendo presidente do Congresso Nacional. Quando ele visitava o Estado, era notícia. Não tinha ligação nenhuma com a região, só era mais viável politicamente se eleger lá.

Hoje é diferente. Grandes lideranças políticas são realmente representantes do Estado. Davi Alcolumbre (União Brasil), descendente de uma das famílias mais poderosas do Amapá, é presidente do Senado Federal. Randolfe Rodrigues (PT) é líder do governo Lula (PT) no Congresso. Ainda há Waldez Góes (PDT), que foi quatro vezes governador do Estado, ministro da Integração e do Desenvolvimento Regional do Brasil.

Ou seja, há personalidades em destaque e com voz no debate sobre a exploração ou não da foz e nos cuidados ambientais e com o desenvolvimento do Amapá. Todos estes citados são favoráveis à perfuração.

Eu não sou especialista ambiental, mas como descendente e amante das terras amapaenses, me preocupo com o futuro. É claro que é importante o desenvolvimento e é uma oportunidade impressionante de riquezas, mas o meio ambiente tem sido cada vez mais agredido e danificado pelas ações intrusivas.

Para o Amapá fica a questão: chegou o momento de crescer e o mundo todo ver que o Eldorado é um Estado localizado na margem do Atlântico? De ser altamente desenvolvido ou condenado a ser sempre explorado por outros e sempre ser pobre?

Foto do Guilherme Gonsalves

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